Ando a ver a Navegante da Lua com a minha filha. Ou melhor, vou deitando os olhos à televisão durante uns segundos enquanto ela vê um episódio até ser hora de sair de casa. Realmente o anos noventa foram puro ouro no que toca à animação infantil em Portugal. Ver a Sailor Moon era todo um entusiasmo quando era criança, durante a febre do Buéréré, porém, não contava já adulta lacrimejar enquanto a Ami, a Rita, a Joana e a Maria se sacrificam para ajudar a Bunny a derrotar o Grande Ditador. Sim, aconteceu. Eu chorei e a criança também chorou, para depois logo se rir porque "a Bunny é mesmo tonta, mãe". Também eu já me ri bastante, seja à conta dos nomes escolhidos para as personagens no universo Português, seja pelas referências culturais e piadas subliminares. Por exemplo, chamar "Susana Melo" à navegante de Plutão é qualquer coisa de fantástico. Independentemente destes aspectos, que alguns acham ridículos e frutos do amadorismo nacional na arte da dobragem, a verdade é que a minha filha está a adorar (vamos na terceira temporada).
Vou passar à frente a parte em que são raparigas que lutam contra o mal e salvam a humanidade (várias vezes) ou o facto da navegante mais poderosa ser uma preguiçosa, comilona e chorona. A Navegante da Lua, como tudo na vida, é também política. Numa época em que a humanidade parece ter uma boa percentagem de lunáticos a dar voz às teorias e ideias do mais absurdo possível, com agendas dignas de gente mentalmente perturbada, recuemos aos anos em que não existindo a disciplina de cidadania - esse bicho papão dos auto-proclamados defensores das crianças - ficávamos horas em frente à TV sem qualquer vigilância dos adultos, entretidos a ver a Navegante da Lua, sem saber se o Luna é uma gata ou um gato. Ou, uns episódios mais à frente, aparece-nos uma Haruka, a navegante de Urano, cujas características físicas e a personalidade são facilmente associadas ao imaginário masculino (é aliás um dilema desenvolvido na série, com todas as navegantes apaixonadíssimas por ela, achando que se trata de um rapaz). Mas vamos mais longe com Sailor Moon! Haruka e Mariana, navegante de Neptuno, são um casal lésbico*. Sim, sim. Em 1990 e picos era este tipo de desenhos animados que víamos. Sem qualquer problema! Sem abaixos-assinados contra, sem preconceituosos doidos das ideias a invadir as portas da SIC e da TVI a exigir que se protegesse a pequenada. Ninguém queria saber. Estava tudo bem. As crianças que viram e se identificaram, com certeza sentiram-se mais aceites e normalizadas. Os restantes não ficaram traumatizados por assistir a um belo amor entre raparigas.
Não pretendo, de todo, ser saudosista e afirmar que antigamente é que era bom. Longe disso, naquela década havia problemas e ignorância em demasia. Não deixando de ser curioso, no entanto, perceber o quão podre está a sociedade em que habitamos para em 20 anos existir este retrocesso mascarado de suposta superioridade moral.
Dito isto: vejam a Navegante da Lua. Aprendam com as jovens guerreiras: lutar contra os grandes ditadores, os exploradores e controladores do planeta. Ter medo é normal, mas temos sempre de lutar pelo bem comum, mesmo que isso implique algumas perdas e sacrifícios. Aceitem e defendam as minorias. Basicamente, sejam boas pessoas. E sim, é obvio que as navegantes são camaradas na luta contra o capitalismo e fascismo.
* Há várias personagens queer presentes neste anime. Artigo interessante aqui e aqui.
Se por um lado gosto de pesquisar e planear leituras, ainda que frequentemente mude de ideias e acabe a ler outra coisa, também me encanta entrar na biblioteca e requisitar livros que desconheço por completo. Idem, livrarias - apesar de estar sempre limitada pelo factor monetário. Foi assim que optei por comprar Out - Uma Saída da escritora japonesa Natsuo Kirina, numa ida à Bertrand. Evitando ler a sinopse na totalidade para não ficar a saber demasiado sobre a história, a premissa de um grupo de mulheres envolvidas num homicídio despertou-me a curiosidade e foi por isso que o escolhi. Foi uma leitura satisfatória e tudo se deve à senhora Natsuo e às suas personagens desafiantes. É uma história estranha que nos deixa sempre numa posição de desconforto e descrédito, independentemente do narrador que estivermos a seguir, e os aspectos principais têm tudo para correr muito bem ou muito mal, dependendo da capacidade de quem o escreve. Eu consigo compreender quem o leu e não se deslumbrou. Também eu tive momentos em que senti os alicerces da história a estremecer e o receio de estar a investir o meu tempo numa leitura com demasiadas linhas e subtemas - característica que, em policiais/mistério, tende a irritar-me. A verdade é que me conquistou e as últimas 150 páginas foram devoradas à bruta, um bocadinho como a nossa anti-heroína Masako também se revela uma personagem marcada pela e para a brutalidade.
Escrito em 1997 e publicado pela primeira vez em Portugal em 2009 pela editora Livros d'Hoje (edição esgotada) e reeditado no ano passado pela ASA, é o livro da escritora mais vendido e aclamado pela crítica.
Iniciamos a história com um grupo de quatro mulheres que trabalham numa fábrica de embalamento de refeições pré-cozinhadas, no turno da noite, numa zona rodeada de indústrias e edifícios abandonados. Ou seja, não é bem o local de eleição para mulheres circularem. O nível de insegurança aumentou nos últimos meses quando várias trabalhadoras se queixaram de assédios e tentativas de rapto. Esta vai ser uma das linhas da história, além da acção principal: o homicídio do marido de Yayoi e a forma como esta é ajudada por três colegas de trabalho a escapar à justiça. Existem duas outras linhas: o mundo da agiotagem e o da máfia japonesa. Parece uma mistura completamente forçada não é? Uma salgalhada que tem tudo para dar errado, só que não só funciona como é espectacularmente bem executada. A construção das personagens é a cola neste jarro japonês partido. Não há uma personagem fraca ou descartavel. As histórias secundárias são bem encaixadas na narrativa principal e compreende-se que o objectivo não é encher páginas (sim, Stephen King estou a pensar em ti) mas fortalecer as individualidades de cada personagem. Há um sentido, uma estrutura que se vai construindo, onde as várias linhas se cruzam e interligaram de forma bem harmoniosa: Masako, uma mulher inteligente farta do desapego familiar; Kuniko, superficial e mal-amada; Yoshi, explorada no trabalho, explorada em casa; Yayoi, vitima de violência doméstica. Todas partilham do mesmo: alienação e cansaço extremo. Até que surge a possibilidade de uma existência diferente que ambas vão abraçar mesmo que para isso tenham de assumir o seu lado mais negro, da violência, à ganancia, inveja e maldade. Afastam-se do típico retrato feminino, mesmo dentro do policial, onde encontramos sempre personagens agridoces ou problemáticas, e foi por isto que gostei particularmente deste livro. Ser um calhamaço com mais de 500 páginas implica um certo compromisso que nem sempre estou disposta a assumir e com este livro valeu o risco.
O final revelou-se completamente ao lado do que eu esperava. A história entra numa espiral de violência gore, mais próximo do terror, jogando com a ideia de amor-ódio, obsessão doentia e complexidade de emoções que, para ser sincera, não sei se será muito consensual e que pode deixar alguns leitores confusos. Eu gosto de personagens difíceis e "fora da caixa", cujas atitudes não são compreensíveis ou justificáveis, e me deixam incomodada. Se preferem personagens boazinhas e empáticas este livro não é uma boa opção. Terminei em modo "caraças, o que é que acabei de ler?", entusiasmada e q.b. incrédula com o desfecho escolhido por Natsuo Kirino.
Lido em Agosto e ainda fresco em mim. Sem dúvida um bom prenúncio. É uma pena que não estejam publicados em português outros livros da autora que é considerada uma mestra deste estilo literário.
Parece que há esta adaptação aqui. A julgar pelos comentários não é muito porreira, pois deixa por aprofundar as várias camadas do livro. Talvez um dia destes lhe dê uma oportunidade.
Mais um livro comprado na FLL, mais uma leitura que me remete para as férias de Verão.
Infelizmente ficou aquém das expectativas. Não é que tenha sido uma leitura desagradável mas metade do livro consiste em explicar o contexto histórico, literário e académico sobre o que foi publicado até então sobre a actuação da PIDE e a forma como o cidadão comum vivenciou a ditadura, que na minha opinião é fácil de resumir e o autor parece dar voltas e voltas e voltas ao mesmo argumento e conclusão. A restante metade sabe a pouco, ou melhor, pareceu-me uma base de investigação muito reduzida para que se consiga chegar à conclusão que o autor impõe. Ou seja, o livro propõe analisar a ideia de que muitos portugueses não só concordavam com a existência da PIDE, como queriam trabalhar ou procuravam o seu auxilio para resolução de casos pessoais mascarados de "teor político dissidente". Isto não me parece novidade para ninguém. O facto da ditadura ter durado tantos anos já é representativo de como grande parte da população compactuou com a mesma, o que por si só não significa que concordasse com as suas políticas e medidas, pois convenhamos que era uma ditadura e não existia alternativa que não tivesse como consequência a prisão, tortura ou morte - e eram estas as consequências que os defensores da democracia sofriam.
O autor parte de dois pontos: 1. as obras publicadas sobre a actuação da PIDE são escritas por sobreviventes/vítimas antifascistas ligadas a partidos de esquerda, pelo que não correspondem ao todo da população; 2. Há provas de que algumas pessoas escreviam à PIDE para pedir emprego, resolver disputas familiares/pessoais, acusar falsamente outrem de ser anti-regime e procurar informação sobre familiares desaparecidos.
Ora não só são situações expectáveis, como semelhantes ao que se encontra noutros regimes autoritários, ainda que o autor também reforce que a PIDE não foi assim tão má quanto outras policias políticas (revirar os olhos ao pensar numa tabela de qualificação da repressão). Depois os exemplos analisados são poucos, com reduzida informação e sempre redigida em jeito de bajulação ao Director, demonstrando o que alguns chamarão respeito, eu diria que respeito conquistado através do medo não passa disso mesmo: medo.
Analisar um tema através de conteúdo escrito, neste caso de cartas, quando uma alta percentagem da população portuguesa não sabia ler nem escrever, parece-me arriscado e pouco representativo.
Resumidamente: não acrescentou nada que já não soubesse e não me parece que a investigação levada a cabo por Duncan Simpson tenha uma amostra suficientemente larga para que suporte qualquer tipo de conclusão. Ainda assim, foi interessante ler as cartas que sobreviveram à destruição de arquivo levada a cabo pelos agentes da PIDE no pós-revolução. Seria muito mais interessante entrevistar ex-PIDE's, pessoas ligadas ao regime, apoiantes, informadores, que dessem a cara e contassem a sua perspectiva. Por enquanto, os que ainda vivem, não se devem sentir confortaveis a assumir as suas simpatias passadas. No panorama geral do país talvez seja melhor continuarem assim, calados pela vergonha.
Li Pageboy no início de Junho, durante as férias, entre piscina e protetor solar e é desta mistura que me recordo ao pensar nele. Estou uns meses atrasada no que toca a publicar por aqui as minhas opiniões. Outubro já comecou e só agora consegui sentar-me para escrever umas coisas. Espero até ao final do ano actualizar este meu canto e iniciar 2025 com as leituras correspondentes.
Pageboy é um livro autobiográfico, focado na existência de Elliot enquanto criança queer, que desde cedo teve noção de que não se encaixava no sexo/género atribuído à nascença e no que a sociedade, juntamente com a sua família, lhe exigia, a nível de comportamento, interesses e personalidade. Segue-se a passagem pela adolescência e primeiros anos da vida adulta, o universo cinematográfico, como é ser um actor tão jovem e assumir-se como homem trans sendo uma figura publica. Não ter uma família funcional que forneça apoio emocional já compromete a saúde mental de qualquer jovem, e sendo um adolescente trans, acrescenta toda uma dimensão de dificuldade e luta que muitas vezes compromete inclusive a própria compreensão e aceitação do que se é. Neste caso, Elliot explora muito bem a luta que travou, e em certo modo ainda mantém com alguns membros da sua familia, para que o entendam e aceitem.
É um livro de memórias e imagino que deve ser dificil para quem escreve filtrar o que é relevante e deve ser contado. Não estou 100% segura que este filtro tenha sido adquadamente executado. Em vários momentos da leitura senti que estava a ler ecos do que já tinha encontrando nas páginas anteriores. Dava para reduzir ligeiramente o volume do livro. Acho que os relatos se tornam confusos em alguns momentos, não sabendo bem em que momento da vida do autor os devemos situar, mas nada que comprometa a leitura. A escrita é simples e curta. Lembrou-me um diário ou uma longa conversa com alguém que acabamos de conhecer e nos conta a vida toda, com avanços e recuos, numa tarde. Uma partilha de situações seguidas de outras situações e mais outras tantas. Não é complicado ou com reflexões profundas, e também não precisa de sê-lo para validar a relevância que pode ter para quem está a ler. É na simplicidade do relato que este trabalho de Elliot me ganha como leitora, porque mesmo não tendo experienciado, nem de longe nem de perto, o mesmo que ele ao longo da sua vida, consegue-se sentir empatia e compreender facilmente o que nos procura transmitir.
Num mundo em que há tanta desinformação sobre a comunidade trans, relatos e biografias sobre estas pessoas tornam-se muito importantes para consciencializar e informar - aos que de facto tenham interesse em compreender realidades alheias. A literatura, como qualquer forma de arte, é um veiculo político. Que sejam publicados mais livros que acrescentem conhecimento, diminuindo o nível de ignorância colectiva em consequência. Só por isso vale bem apena ler este Pageboy.
Estou a rever Sopranos. No espaço de 4-5 anos é a terceira vez. Durante muito tempo resisti-lhe. Acreditava que o tema "máfia" se esgotava rapidamente, e após os filmes clássicos que toda a gente já viu pelo menos uma vez na vida, duvidava do que teria de tão fascinante ou original. Ser uma criança quando a série iniciou também não ajudou. Imaginava que fosse só violência, perseguições policiais e intrigas entre grupos. Sucede que o meu eterno camarada venera Sopranos e num momento de "não há nada de jeito para ver" seguiu-se um "vamos ver Sopranos, por favor, é agora, tu vais adorar!". E lá lhe fiz a vontade (depois da nossa filha é capaz de ter sido a melhor coisa que o homem me deu). Adiante, não vou estar a debitar reflexões sobre esta obra-prima das séries de televisão, até porque análises e criticas feitas por gente entendida há por aí aos pontapés. A verdade é só uma: The Sopranos é a melhor série de sempre e não levo a sério qualquer pessoa que tenha uma opinião diferente. Não quer isto dizer que não existem outras séries excelentes. Mas nenhuma atinge o brilhantismo que Sopranos encerra e é este brilhantismo que nos faz regressar para assistir com fascínio, uma e outra vez, à imensidão de conceitos, ideias e emoções que são exploradas naqueles episódios.
Decidimos rever a série após vermos o documentário que a HBO lançou este mês com David Chase, o criador da série. Acho que vai acontecer a muita malta o estranho e maravilhoso fenómeno chamado: saudade. É uma série tão marcante que a sentimos como se fosse um membro da família. Rimos, sofremos e choramos com ela. Logo, também temos saudades. Ver o documentário lembrou-nos que era bom combinarmos um jantar, ou neste caso rever, porque não se levam séries a jantar fora. Aconteceu-me o mesmo depois de ver o filme The Many Saints of Newark.
É um documentário bonito que aquece o coração e nos relembra que, às vezes, as mentes mais perturbadas (e a necessitar de terapia) são aquelas que nos oferecem verdadeiras obras-primas.
Há uma cena na história de Tony Soprano. Há o antes e o depois de ver The Sopranos. O mundo divide-se entre aqueles que viram, sentiram e compreenderam; os outros que viram e não perceberam patavina; por fim há o grupo dos que ainda não viram, nem a série, nem a luz (das séries, tipo têm a possibilidade de entrar no paraíso e obter sabedoria televisiva e cinematográfica a um nível só existente naquelas seis temporadas e não passam do limbo). Estão à espera do quê?
Ainda aqui não falei sobre o Clube da Greta Livraria, que subscrevi no ano passado (por volta desta altura). Escolhi o plano 1 com curadoria e tirando um livro que não gostei (mas não abandonei, vitória!) foi um programa bem sucedido. Ainda estou a ponderar se subscrevo novamente ou não - qualquer gasto extra na vida de uma proletária tem de ser seriamente analisado. Não conheço o espaço físico da livraria mas acredito que deve ser uma maravilha. Pelo menos a oferta é um chamariz de alegria para os meus olhos sempre que navego pelo site.
E menciono a Greta porque este Puro de Nara Vidal foi um dos últimos que recebi através do Clube e também se tornou um livro favorito.
Sobre o livro, o que escrever? Tinha tudo para ser uma leitura muito atractiva para mim e assim foi. São temas que me interessam, bem explorados e a escrita é envolvente, acessível, directa. Vou repetir-me: é mesmo fascinante ler livros pequenos que encerram tanto em si. Este é mais um desses malditos que me fazem olhar para calhamaços e pensar "vale mesmo o esforço"? Porque os últimos livros extensos que li não tem justificado o número de páginas com a qualidade que espero lá encontrar.
A eugenia é o conceito base desta história. Toda a dinâmica de vila de Santa Graça gira em torno da desigualdade entre dois pólos: os brancos, católicos, que vivem da sua intelectualidade, superiores e os negros/mestiços, que vivem do uso da força física, doentes e limitados à exploração ou esmolas dos primeiros. Partindo disto, vemos como harmoniosamente as personagens se movem na loucura da superioridade genética para todo um conjunto de práticas grotescas (e muito próximas da realidade). Os momentos de quase terror são bem estruturados e a atmosfera gótica vai-se estabelecendo aos poucos, ganhando dimensão conforme avançamos na leitura. Funciona perfeitamente.
Estou tentada a comprar o livro de contos da escritora apesar de contos não serem uma preferência.
Artigo interessante da escritora aqui e outro aqui.
Andei muito distraída pois não só nunca me tinha deparado com este livro como não me recordo de me ter cruzado com alguma referência à sua autora, María Gainza. Encontrei-o numa busca pelas estantes da biblioteca com o objectivo de levar para casa um ou dois livros curtos, de leitura rápida.
Foi uma leitura bem satisfatória. Não esperava nada, pois tão pouco sabia alguma coisa, fosse sobre o livro ou sobre a escritora. É das melhores coisas que me pode acontecer: ir ao acaso e daí extrair uma boa leitura.
Se eu percebo alguma coisa de Arte? Nem por isso. Há portanto q.b. probabilidade de várias referências ao universo da pintura na América Latina (e no geral, vá) me terem passado ao lado. O que não me impediu de desfrutar da leitura e é isso que há de fantástico aqui. A escritora consegue, sem transformar a história em puro pedantismo ou cair no aborrecimento, cativar o leitor leigo e puxa-lo para dentro da história, sendo tão leve e fácil de compreender, que é irrelevante que bagagem detemos nós, leitores, sobre o meio que está a ser explorado. As reflexões bem construídas sobre o que é real, criação e originalidade, a dualidade das influências e inspirações na processo criativo e o espaço que a cópia ou o falso ocupam em tudo isto.
Tem momentos engraçados, um véu de mistério em torno d'A Negra e ainda por cima tudo isto num livro pequeno que se lê num instante. Cereja em cima do bolo.
Gostei muito de Hotel Melancólico e María Gainza é uma escritora a explorar.
Estava com ele debaixo d'olho há uns tempos. É frequente encontrar o seu nome em lista de filmes dos quais gostei bastante e por isso as expectativas eram altas. Não correspondeu e nem os últimos trinta minutos finais conseguem diminuir o sacrilégio que foi assistir a isto. Há filmes que às vezes funcionam bem para um grupo muito restrito de apaixonados por cinema e que passam ao lado dos restantes comuns mortais. E eu, que navego entre estes dois grupos de pessoas-tipo, desta vez estou com os comuns mortais: não consigo perceber o há além de mediano aqui. São 2H30 de tédio.
Ainda que nos últimos anos tenha menos paciência para o género, foi com bastante satisfação que dei por mim a ver este filme. O desenrolar não é surpreendente mas não prejudica; a tensão e o desespero crescente, com umas pitadas de humor (que por norma não aprecio), suportam toda a história. É 1H30 bem passada.
Cresce cada vez mais a minha admiração por escritores que conseguem concentrar grandes histórias em poucas páginas. Este livro é um desses casos.
Lê-se sem dificuldade e tivesse eu mais tempo livre menos dias me teria demorado. Se o título remete para uma história de amor, a história em si vai além do padronizado, do esperado, podendo incomodar alguns leitores mais conservadores no que toca a relacionamentos e às expectativas que se criam sobre o que é amar e ser amado. É aí que reside a beleza deste livro, coloca em perspectiva uma realidade que, a dado momento da vida, todos nós tentamos camuflar: o amor não é sempre igual ao que nos ensinam os livros e os filmes, tão cheio de positividade e felicidade, pode e é muitas vezes bem mais obscuro e feio do que gostávamos de admitir. Não deixando de ser também amor. Aceitar isto incomoda. Este contraste ficou claro no relacionamento entre a personagem principal e o vizinho, que para mim foi inicialmente incomodativo (não vou divagar sobre a minha opinião sobre a prostituição) mas a naturalidade com que a escritora o explora, puxa inclusive a ideia de consentimento, o que equilibra a equação. Há muito a extrair destas personagens, mesmo que, segundo várias críticas negativas, a história tenha pouca acção. Discordo completamente destas opiniões. As dinâmicas aparentemente simples e corriqueiras enriquecem a teia com realismo puro, depressivo e complicado. É exactamente este o tipo de enredo que gosto e Um amor foi uma leitura extremamente satisfatória com as últimas páginas a serem lidas em crescendo.
Foi-me impossível não recordar Desgraça de Coetzee. Desconheço se a escritora já falou sobre as semelhanças que existem entre os dois livros, que em nada diminuem o seu trabalho, e que para quem, como eu, acha o livro de Coetzee uma obra-prima, é até uma comparação bastante simpática.