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sigilosamenteliteraria

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12
Dez24

A Dama Oculta de Ethel Lina White

Cláudia F.

No outro dia passei na Gare do Oriente e decidi espreitar o mercado de livros que lá há. Encontrei estas edições da bookcover e comprei três: Cranford de Elizabeth Gaskell, A Dama Oculta de Ethel Lina White e Os Mistérios de Udolpho de Ann Radcliffe.

Li A Dama Oculta e a tradução é assustadoramente má. Senti que estava a ler uma mistura entre português e português-brasileiro. Algumas decisões linguísticas não me fizeram muito sentido pelo que não fiquei particularmente interessada em pegar num dos outros dois tão depressa, com receio que a tradução esteja ao mesmo (des)nível. Sei que são edições baratinhas mas não me parece que justifique. Enfim, não foi tão mau ao ponto de prejudicar gravemente a leitura. Nem se trata de uma língua ser superior a outra, não tenho nada contra edições em português-brasileiro desde que eu as escolha sabendo de tal característica. Cresci com as novelas da Globo e passei o livro todo a imaginar a Iris como uma personagem da novela da noite. 

Ethel Lina White foi uma senhora inglesa que viveu entre 1876 e 1944, numa família de classe média-alta, tendo começado a escrever cedo e tornando-se um dos principais nomes da literatura policial/suspense da época. Em Portugal só se encontra este livro publicado, o que é uma pena.

Entramos no mundo de Iris Carr, uma jovem mulher, rica e órfã, que vive livremente, sem amarras, em permanente ócio com os seus amigos, sem casa própria, em viagens nos lugares mais exóticos e luxuosos da Europa. Assim a encontramos, meio aborrecida com os amigos, decidida a não os acompanhar e fazer a viagem de regresso a Londres sozinha. Nesta fase há a sensação de que os bons momentos estão prestes a desaparecer, já que todos os hospedes se estão a preparar para abandonar o hotel e regressar a Inglaterra de comboio. A premonição de que algo obscuro e estranho se aproxima, no decorrer de Iris se encontrar sozinha e por isso mesmo exposta a perigos, ela que está sempre rodeada de pessoas, é aqui explorado de forma magistral. Uma afronta social, a dama viajar sem acompanhante, extremamente ousado para a época e representativo da independência de Iris. O grosso da acção decorre no percurso de comboio, onde Iris se cruza com várias personagens, sendo uma delas uma velha senhora, tipo governanta, que segue para Inglaterra após trabalhar na casa de um grande senhor de um país de Leste. Acontece que Iris adormece e quando acorda não há sinal de tal senhora, tão pouco os restantes passageiros que partilham a cabine se recordam dela estar presente. É este o mistério. Quem é a senhora? E onde é que ela está?

Iris mergulha num estado psicótico tentando responder a estas questões com a ajuda (ou falta dela) de dois cavalheiros ligados à filosofia. Um desaparecimento num comboio que faz a ligação entre vários países ao longo de dias, praticamente sem paragens, de onde é impossível sair, ainda para mais sem que outras pessoas o notem.

Por ser mulher, jovem, solteira e viajar sozinha, Iris é vista como louca, perturbada, histérica. Completamente descredibilizada. Ameaças de prisão, hospitalização forçada num hospício a meio do caminho e uso de medicação para se manter calma. Ethel White caracteriza assim não só a figura feminina mas também como a sociedade a vê e julga, em 1936. A atmosfera opressiva em torno da personagem de Iris é não só realista como ainda plausível de acontecer nos dias de hoje.

Uma história bastante interessante e bem escrita, intensa e claustrofóbica, feminista, que deixa o leitor com a dúvida permanente de que partes são reais ou alucinação. Vamos lendo página após página envolvidos na confusão e dúvida de Iris, ansiando para que ela consiga escapar ilesa. Não é qualquer escritor que consegue trabalhar cenários fechados com mestria e Ethel White, felizmente, oferece-nos uma obra verdadeiramente inquietante.

Não vi a adaptação que Hitchcock fez em 1938 e que se tornou um clássico do cinema, além de ser amplamente reconhecido como um dos seus melhores trabalhos, portanto desconheço se o filme é fiel à obra ao ponto de não mascarar algumas alinhas que para mim são fulcrais para o entendimento da personagem de Iris Carr. Talvez seja uma boa escolha para ver agora durante a época natalícia.

06
Dez24

Os Rapazes de Nickel de Colson Whitehead

Cláudia F.

Assim ando eu, atrasadíssima em publicar neste espaço os meus achismos sobre as leituras que vou fazendo. Li este Os Rapazes de Nickel em Agosto e estamos em Dezembro. Era suposto escrever conforme fosse terminando cada livro, o que não sendo falta de vontade é só mesmo falta de tempo.

Foram várias as opiniões positivas que fui retendo sobre o escritor Colson Whitehead, pelo que quando tive possibilidade comprei o livro mencionado. Lê-se efectivamente com bastante facilidade pois a escrita é muito acessível. Conhecia outros casos de Instituições de cariz social que ao longo dos anos foram sendo encerradas, maioritariamente nos EUA, Canadá e Austrália. Infelizmente não choca ninguém que ao longo de decádas se tenha verificado que estes locais não só não reuniam condições para acolher jovens e crianças, como proliferavam os mais variados abusos, fosse por questões ideológicas, por ausência de fiscalização e profissionais adequados, demonstrando um completo abandono do Estado perante os que mais necessitavam de ajuda e protecção.

Encontrei uma entrevista do escritor em que este conta um episódio que aconteceu com o próprio quando era um jovem estudante e que toca, em certa medida, no que acontece também à personagem principal.

"(...) I was, you know, a junior in high school, and I was with some friends. We were in a supermarket. And suddenly, there was a white cop saying, put your hands behind you. He put handcuffs on me; took me out to the street to his squad car, where there was a white woman in the back seat. She'd been mugged. And I guess I was the first black person, black teenager they came across. And luckily, she said that I was not the person who mugged her."

Não posso dizer que em alguma parte da história esta se tenha apresentado original ou inesperada, não sendo este aspecto negativo ou positivo, apenas me deixou a impressão que várias vezes se optou pelo caminho do facilitismo. Como já mencionei noutras ocasiões não sou particularmente adepta de personagens rasas e extremamente empáticas. É uma questão de gosto pessoal. Compreendo, ainda assim, as escolhas do autor. Foi o final que mais me agradou e que me agarrou ao universo retratado por Colson. É uma leitura que vale o tempo do leitor e que representa muito bem como uma simples escolha, numa questão de alguns minutos, pode mudar por completo uma vida quando se vive num país estruturalmente racista, como os Estado Unidos (aliás, há algum país ocidental ex-colonial que não o seja?).

Tentarei ler outros trabalhos do Sr. Colson Whitehead, ansiando que sejam um bocadinho mais elaborados que este.

06
Nov24

Vieram Como Andorinhas de William Maxwell

Cláudia F.

Tinha como habito ir à feira dos alfarrabistas no Chiado quando era mais nova. Foi num desses passeios que comprei "Adeus, Até Amanhã" de William Maxwell. Na altura não o compreendi, achei a história estranha. No entanto de tempos a tempos lembrava-me dele. Há uns anos decidi reler e tornou-se num dos melhores livros de sempre. Não só consegui entender com maior facilidade tudo o que a obra engloba como fiquei bastante entusiasmada perante a possibilidade de descobrir a sua bibliografia. Infelizmente só encontrei dois livros dele traduzidos. Adquiri este "Vieram Como Andorinhas" e li em Agosto.

Não me cativou tanto quanto o anterior, ainda assim foi uma leitura prazerosa. Maxwell tem o dom de nos transportar para outra época, caracterizando uma certa sociedade americana de forma muito directa, sem floreados. Mais um livro pequeno que se releva enorme.

A construção das personagens infantis é magistral, como se estivéssemos efectivamente perante uma criança que nos relata os seus sentimentos e emoções. Ambos os livros têm como centro a mesma temática, atmosfera, época e retratam famílias muito similares. As questões de género são aqui bem trabalhadas e demonstram, de forma mais ou menos óbvia, como existências limitadas por uma visão conservadora sobre a família e os papéis de cada progenitor conduzem, basicamente, a vidas infelizes. É uma perspectiva extra a que se consegue chegar ao ler os trabalhos de Maxwell (que viveu entre 1908 e 2000), baseada na riqueza com que o escritor desenvolve as relações entre as personagens. A subtileza e elegância com que trabalha o relacionamento das crianças com a figura materna e paterna, o que cada uma delas representa no seu micro-universo e a extensão que a dinâmica familiar acarreta nos traços de personalidade em construção nestas idades. Eram outros tempos, marcados pela rigidez, autoritarismo e, infelizmente, ausência de afecto na figura paterna e o seu oposto nas personagens femininas que surgem como cuidadoras, preocupadas, carinhosas e salvadoras. A fertilidade e gravidez, o desapego e incapacidade de demonstrar sentimentos, a visão da criança que perde o colo e a única fonte de carinho, a pandemia da gripe espanhola, encaixam perfeitamente neste pequeno puzzle triste que o escritor nos oferece.

Reforçando a componente autobiográfica de "Vieram Como Andorinhas", também a mãe de Maxwell faleceu vitima de gripe espanhola quando ele era pequeno, o que certamente contribuiu para a forma amorosa e tocante como retrata momentos rotineiros entre mãe e filho. É didáctico compreender como se viveu uma pandemia em 1918-1920 e comparar aos anos de covid-19. Assustador e fascinante em simultâneo.

Aqui fica o "Adeus, Até Amanhã" lido pelo próprio.

05
Abr24

Palestina, Uma Nação Ocupada de Joe Sacco

Cláudia F.

Sei que Palestina, Uma Nação Ocupada é uma das leituras mais aconselhadas para quem se interessa pela causa palestiniana ou para quem a desconhece e gostaria de aprender alguma coisa. Cruzei-me com ele num destaque da biblioteca sobre o conflito genocídio na Palestina e requisitei.

Irritou-me o tom de aborrecimento da narração - a quantidade de chás que o jornalista tem de tomar, as crianças chatas, e toda a restante conotação negativa associada aos palestinianos como se houvesse necessidade de equilibrar a balança para dar um tom mais neutro à demonstração do seu sofrimento. Nem anjos nem demónios, estão a ver? Compreendo também que isto faça parte da construção da personagem do jornalista, que até pode ser uma espécie de crítica à forma como os jornalistas lidam com países de culturas diferentes, etc., e para quebrar o tom sério da exposição das práticas horríveis do governo israelita. Para mim é uma abordagem imatura.

Tirando isto: gostei mais pela relevância e consciencialização que oferece sobre a Palestina do que propriamente sobre o seu valor literário. Como leitora não me acrescentou, mas isso é defeito meu.

Este livro data de 1993. Infelizmente não só continua actual como a situação em Gaza se agravou ao ponto de estar a decorrer neste momento um extermínio em massa e adivinhem? Ninguém quer saber. Bem, alguns tem desculpa pois têm em mãos situações gravíssimas para resolver. Tipo, os portugueses estão bué ocupados com choramingar primeiro e ter pequenos orgasmos agora com a alteração do logótipo da República, que é mesmo ultra relevante para a vida dos cidadãos, certo? É este o nosso nível como povo. Aliás se isto não é representativo das nossas prioridades no palco político, não sei o que será. Bem, estou a divagar. Como cedo me interessei pela história do povo palestiniano, cedo também procurei ler sobre ela. Encontrei algumas obras em alfarrabistas como: Cultura e Resistência de Edward Said e Memórias de Uma Aldeia Palestiniana Desaparecida de Mohammed Al Asaad. Ou Miral de Rula Jebreal e o mais recente Um Detalhe Menor de Adania Shibli.

Aconselho todos mais do que o do Joe Sacco. Desculpem-me os fãs da banda desenhada.

Artigo interessante sobre o Edward Said, uma das principais vozes palestinianas no Ocidente, aqui.

 

13
Mar24

O Papel de Parede Amarelo de Charlotte Perkins Gilman

Cláudia F.

Muito interessante este O Papel de Parede Amarelo de Charlotte Gilman. De forma breve, mas bem conseguida, explora as perturbações de uma mulher cujo marido é também o seu médico. Tendo como diagnóstico um quadro de histeria depressiva, a cura passa por um período de afastamento social numa casa arrendada para o efeito e onde a narradora fica sob total controlo por parte do esposo. Isolada, sem ter com quem falar abertamente e privada de circular fora da casa, acaba por ficar obcecada pelo papel de parede amarelo do seu quarto.

É um conto realmente fascinante. Em poucas páginas a autora estabelece um clima de medo e loucura bem estruturado, lendo-se rapidamente e com um final que abre portas a múltiplas interpretações. Parece-me que há muita simbologia em torno do papel de parede, da figura feminina, de como a personagem (no seu delírio) é puxada para um mundo cheio de outras mulheres que lá habitam.

Mas que mulher foi Charlotte e que experiências marcaram não só a sua existência, como as suas obras? Nascida em 1860, filha de pai-que-abandona, vivia na pobreza. Por este motivo passava grandes temporadas com tias - mulheres politizadas, ligadas à escrita e educação. Era boa aluna, gostava de pintar e ler. Na escola manteve uma relação platónica com uma amiga, recusando o ideal romântico entre homem e mulher, até se casar em 1884. Um ano mais tarde é mãe. Casamento e maternidade intensificaram o seu estado depressivo (como não, certo?). E também ela, a par da protagonista do Papel, passa pelo "bed rest", nada mais nada menos que: deitada, sem esforços e excitações, vegetar na cama até novas ordens. Comprovou-se que este tratamento de eficaz tinha pouco. Com Charlotte quase a conduziu ao suicídio. Seguiu-se o divórcio. Volta a casar com um primo advogado. Envolve-se em várias associações políticas, utilizando a escrita para reforçar as suas preocupações sobre os direitos das mulheres, a figura feminina e a participação activa das mulheres na sociedade. Suicida-se após lhe ser diagnosticado cancro.

Aparentemente uma mulher para admirar não é? Só que não. A boa da Charlotte achava que os americanos negros eram um problema. E o que que era porreiro era agarrar nessa malta e fazer uma espécie de nova escravatura. Com certeza quando defendia o direito ao voto era o direito ao voto para mulheres brancas e instruídas. Não o resto da plebe. A eugenia estava em voga e sabemos bem como foi a primeira vaga feminista.

Ultrapassando que estamos a ler alguém racista, vale a leitura.

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