O filme Os Inocentes é um dos meus filmes de terror favoritos. Desconhecia que era baseado no livro A Volta no Parafuso, do qual já muito tinha ouvido falar por ser considerado um marco dentro do género terror. Eis que há uns anos fez-se luz neste cérebro e acabei por perceber que o livro que queria ler era o mesmo que dera origem ao filme. Se por um lado fiquei muito entusiasmada por outro pensei "bem, já conheço a história, talvez o livro não funcione tão bem". Estava certa.
Como conhecia a história e a tinha bem presente, o efeito surpresa foi à vida; foi quase como uma releitura. Estava a ir a lugares que já conhecia, sabia o que ia acontecer em cada capitulo e o clímax final não foi na realidade um clímax, mas antes a recordação do final d'Os Inocentes, a preto e branco e tudo.
Adianta sequer escrever sobre o que trata o livro? É uma mulher que inicia um trabalho como educadora/ama numa mansão de um homem muito rico, tendo à sua tutela duas crianças. Há muito nevoeiro e bosques, um lago, e começam a acontecer coisas estranhas envolvendo as crianças, deixando as mulheres adultas entre o paranormal e a loucura.
Claro que este clássico merece ser um clássico, é uma história espectacular sobre fantasmas daí continuar a inspirar tantos filmes e séries - a última que me recordo é da Netflix: A Maldição da Mansão Bly.
O mal está em mim e não no Henry James. Aconteceu-me o mesmo quando li Frankenstein de Mary Shelley. Nada a apontar aos livros. Foram, apenas, leituras que não funcionaram para mim.
Tinha Vista Chinesa debaixo de olho desde a sua publicação. A temática interessa-me muito e sabia que mais cedo ou mais tarde acabaria por lê-lo, comprado ou através da biblioteca. Foi por isso uma felicidade imensa quando o recebi a partir do clube de leitura da Greta Livraria. Este não ficou a ganhar pó na estante aguardando a sua vez, pelo contrário, passou à frente dos seus pares e foi lido pouco tempo após me ter chegado.
A minha opinião sobre esta leitura não só é igual à da grande maioria dos leitores, como me parece que pouco ou nada acrescenta à dimensão do que se pode ou não retirar desta história. Ou seja, aquilo que é narrado vale por si só a leitura. O que para mim tem imenso valor. Às vezes apanho no Goodreads comentários a livros biográficos ou que relatam uma história real, que apontam a dificuldade que o leitor tem em "avaliar" a leitura. Isto faz e não faz sentido para mim; o leitor sente-se limitado pela percepção que se pode ter da avaliação feita, como se desvalorizasse a realidade relatada. Não queremos que outros pensem que somos um cubo de gelo que não simpatiza com o sofrimento alheio. No entanto, ao avaliar a leitura, não estamos necessariamente a avaliar a experiência que o autor/individuo viveu, mas sim como o livro funcionou connosco, o que nos transmitiu, a escrita, etc., um conjunto de particularidades a que cada leitor poderá dar mais ou menos valor. Também não somos críticos literários, não temos assim tanta responsabilidade. Eu pelo menos não me coloco nesse lugar. E falo disto porque, em Vista Chinesa, terminei completamente incapaz de analisar aquelas tais particularidades, tão envolvida que estava na história, sentindo apenas que me encontrava perante um livro do caraças. E não há nada que pague esta sensação maravilhosa.
Li-o num domingo à tarde. É um livro curto, penso não chegar às 100 páginas. A naturalidade e o realismo com que a narrativa se desenrola contribuem para uma experiência extremamente visual, mesmo sem ter grandes descrições do ambiente em que as cenas se desenrolam. Toda a história funcionou, dentro da minha cabeça, como um documentário. Para quem, como eu, já ouviu e leu relatos de violações e abuso sexual em número suficiente (fãs de true crime compreenderão) antecipa facilmente os passos da narradora, as dificuldades e os traumas. É aqui que a história me ganha: na dureza dos pormenores, da realidade retratada, que infelizmente, nem sempre encontro com a mesma honestidade noutras obras. Por isto é um livro necessário. Não tenho grande esperança na humanidade pelo que temo que seja ainda necessário por bastante tempo*.
Mais um livro curto que se revela um favorito. Estou a desenvolver uma preferência descarada por livros pequenos.
Já aqui mencionei o meu interesse em ler escritoras portuguesas. Há uns anos comprei naquelas feiras nas estações de metro, o livro 100 Portuguesas com História de Anabela Natário que desde então está na minha mesa de cabeceira. É a leitura mais demorada de sempre no meu reportório. Entre livros, principalmente naqueles que me deixam inquieta após finalizar a leitura, costumo ler algumas páginas do 100 Portuguesas. Fico sempre impressionada com a capacidade de: 1. preservar-se informação ao ponto de 2. uma investigadora conseguir reuni-la e dar-nos a conhecer existências fascinantes que para o cidadão comum são absolutamente desconhecidas.
Portanto, quando digo que quero descobrir mais escritoras portuguesas são as escritoras desconhecidas ou pouco recordadas que me interessa particularmente ler. Carmen de Figueiredo é o pseudónimo de Carmelinda Miolet Morena de Figueiredo, nascida em 1916 e falecida a 2006. Escreveu quinze romances, três livros de contos e uma novela.
Eu tenho três: Vinte Anos de Manicómio (colecção Público), Colégio de Rapazes (1955) e O Muro de Cristal (1958). Ainda só li o primeiro e foi uma leitura agradável. A escrita é muito acessível, sem floreados aborrecidos, com umas pitadas de sarcasmo, crítica social e um certo erotismo que valeram à escritora a censura da PIDE.
Os senhores do regime ficaram desagradados por uma mulher ousar escrever sobre sexo, infidelidade e coisas assim, ainda por cima num estilo mais "masculino".
A história começa com Bento e Lídia, que se mudam para Lisboa para explorar uma mercearia e aí garantir uma educação adequada e um futuro digno à sua filha Lourdes. Esta está mais para mulher independente do que doce e recatada do lar. Representa ainda a mulher sexual e erótica, muito longe da representação que o regime defendia, da mulher casta, obediente, assexual, materna. A figura da mulher é desconstruída ao associar-lhe comportamentos amplamente aceites/justificados no género masculino mas negados no feminino. Por exemplo, Bento é infiel à sua esposa e incapaz de ter sexo com ela, no entanto recusa que a filha Lourdes mantenha as mesmas praticas (recusa de sexo ao esposo mantendo relações extraconjugais) pelo simples facto de ser mulher. A infidelidade e desapego de Lourdes acabam por conduzir o marido João Lúcio a um estado de doença física e mental, sendo posteriormente internado num manicómio, falsamente acusado de loucura.
A personagem de João Lúcio é curiosa, tão ao mais que a de Lourdes. A autora atribui-lhe características que estavam quase exclusivamente associadas à condição feminina: o histerismo, a depressão, ataques de pânico, insónias...É enclausurado durante vinte anos numa "casa de loucos" para que a sua esposa consiga viver os seus romances sem a opressão do matrimónio. Só consegue a liberdade fingindo a própria morte e mesmo livre não supera a existência sofrida, optando pelo suicídio.
Estas dinâmicas são por isso muito interessantes, principalmente olhando para a época em que a escritora viveu e publicou.
Não posso, ainda assim, dizer que considero este livro uma obra extraordinária. As personagens são rasas, não apresentam qualquer conflito interior, permanecem iguais do início ao fim do livro. Não há desenvolvimento nem picos de intensidade. Faltou alguma complexidade na estruturação da história, mais zonas cinzentas para puxar o realismo.
Os únicos livros que foram editados recentemente, através das colecções Censura no Feminino (2021) e na Biblioteca da Censura, são Vinte Anos de Manicómio e Famintos. Com uma produção tão numerosa, que justificação haverá para não se investir na publicação dos seus livros? O que leva a que nenhuma editora portuguesa o faça? Tirando os que, como eu, compram em alfarrabistas e tem a sorte de ainda encontrar alguns velhos exemplares, tão pouco têm a oportunidade de conhecer o seu trabalho. E sim, novamente, existem bibliotecas. Na minha rede, por exemplo, há cinco livros da autora para requisição. Cinco livros entre dezanove obras. É uma oferta ainda assim limitada. Estas duas opções (alfarrabistas e bibliotecas) partem sempre da procura do leitor. É preciso que o leitor conheça para que procure. E como se conhece uma escritora apagada, sobre a qual pouco se sabe? Eu própria só chego a estas escritoras após primeiro me interessar, procurar informações, listar obras e de tempos a tempos comprar os livros possíveis, mediante a oferta no mercado alfarrabista.
Repito-me: são escritoras que viram os seus trabalhos retirados de circulação pela ditadura, que colocaram em causa a sua própria integridade para escreverem estas histórias. Décadas depois: ninguém as conhece. Não são lidas. Não são estudadas. Tão pouco celebradas pela sua coragem de tentar sobressair numa área de homens, onde homens decidiam o que elas podiam ou não criar. É de lamentar.
Trabalhos muito interessantes sobre a escritora e as suas obras Vida de Mulheraqui e Famintosaqui.
Devia ser mais disciplinada nisto de debitar aqui opiniões sobre leituras. Já se passaram uns meses sobre a leitura de A Solidão dos Números Primos e agora estou num limbo sem saber muito bem o que escrever.
Recordo-me de ainda no Instagram apanhar várias referências positivas e ficar levemente curiosa sobre o que trataria esta história. Entretanto comprei-o, já não me lembro se na FLL 2023 ou se numa ida à Livraria Solidária de Carnide. Ficou junto dos outros (que não são poucos) a aguardar a sua vez.
Às vezes só temos a ganhar em chegar tarde a algo que já foi lido, visto e aclamado, por muita gente. Fugir um bocadinho ao hype para melhor aproveitar a dimensão que a obra encerra, seja na literatura, cinema ou música. Uma coisa boa será sempre boa, passe o tempo que passar. Li-o em Maio e foi uma experiência muito satisfatória. Tristeza e melancolia na dose certa para me sentir feliz.
Alice e Mattia são personagens perturbadas por vivências traumáticas e lidam, cada um à sua maneira, com os ecos do que são, do que a sociedade e família esperam que se tornem e do que pretendem, eles próprios, ser e construir. A inadaptação na infância e adolescência que tantas vezes se estende para a vida adulta. Estas dificuldades são exploradas de forma bem realista, notando-se a proximidade do escritor com as suas memórias e experiências, na caracterização das personagens.
A fase adulta, principalmente nos primeiros anos, correspondente ao meio da narrativa, esmoreceu um pouco o meu entusiasmo. Achei que a paixão de Alice pela fotografia podia ter sido mais desenvolvida, aliás, nem sequer a considero uma paixão em comparação com o fascínio de Mattia pela matemática. Parece mais uma coisa na qual ela se envolve, apenas. Tal como o seu casamento. A ausência de paixões em Alice é a sua catarse, o veiculo para lidar com a ausência de amor em que cresceu, com a sua deficiência e a perda da mãe. Mattia, pelo menos, tem os números.
A incógnita sobre o rumo das personagens, que relações iam ser estabelecidas ou quebradas, transmitiu-me uma certa lufada de ar fresco. É uma história original, não demasiado alternativa ao ponto de ser estranha, mas sim cativante; mantive-me focada na leitura, envolvida na complexidade de sentimentos e emoções. Fui sendo agradavelmente surpreendida até ao final. Terminei a leitura com aquela sensação amarga de ainda querer permanecer dentro do livro mais um bocadinho.
Penso que com a passagem do tempo A Solidão dos Números Primos se tornará um favorito. Percebi que há um filme baseado na obra e tentarei vê-lo brevemente.
Andei muito distraída pois não só nunca me tinha deparado com este livro como não me recordo de me ter cruzado com alguma referência à sua autora, María Gainza. Encontrei-o numa busca pelas estantes da biblioteca com o objectivo de levar para casa um ou dois livros curtos, de leitura rápida.
Foi uma leitura bem satisfatória. Não esperava nada, pois tão pouco sabia alguma coisa, fosse sobre o livro ou sobre a escritora. É das melhores coisas que me pode acontecer: ir ao acaso e daí extrair uma boa leitura.
Se eu percebo alguma coisa de Arte? Nem por isso. Há portanto q.b. probabilidade de várias referências ao universo da pintura na América Latina (e no geral, vá) me terem passado ao lado. O que não me impediu de desfrutar da leitura e é isso que há de fantástico aqui. A escritora consegue, sem transformar a história em puro pedantismo ou cair no aborrecimento, cativar o leitor leigo e puxa-lo para dentro da história, sendo tão leve e fácil de compreender, que é irrelevante que bagagem detemos nós, leitores, sobre o meio que está a ser explorado. As reflexões bem construídas sobre o que é real, criação e originalidade, a dualidade das influências e inspirações na processo criativo e o espaço que a cópia ou o falso ocupam em tudo isto.
Tem momentos engraçados, um véu de mistério em torno d'A Negra e ainda por cima tudo isto num livro pequeno que se lê num instante. Cereja em cima do bolo.
Gostei muito de Hotel Melancólico e María Gainza é uma escritora a explorar.
Cresce cada vez mais a minha admiração por escritores que conseguem concentrar grandes histórias em poucas páginas. Este livro é um desses casos.
Lê-se sem dificuldade e tivesse eu mais tempo livre menos dias me teria demorado. Se o título remete para uma história de amor, a história em si vai além do padronizado, do esperado, podendo incomodar alguns leitores mais conservadores no que toca a relacionamentos e às expectativas que se criam sobre o que é amar e ser amado. É aí que reside a beleza deste livro, coloca em perspectiva uma realidade que, a dado momento da vida, todos nós tentamos camuflar: o amor não é sempre igual ao que nos ensinam os livros e os filmes, tão cheio de positividade e felicidade, pode e é muitas vezes bem mais obscuro e feio do que gostávamos de admitir. Não deixando de ser também amor. Aceitar isto incomoda. Este contraste ficou claro no relacionamento entre a personagem principal e o vizinho, que para mim foi inicialmente incomodativo (não vou divagar sobre a minha opinião sobre a prostituição) mas a naturalidade com que a escritora o explora, puxa inclusive a ideia de consentimento, o que equilibra a equação. Há muito a extrair destas personagens, mesmo que, segundo várias críticas negativas, a história tenha pouca acção. Discordo completamente destas opiniões. As dinâmicas aparentemente simples e corriqueiras enriquecem a teia com realismo puro, depressivo e complicado. É exactamente este o tipo de enredo que gosto e Um amor foi uma leitura extremamente satisfatória com as últimas páginas a serem lidas em crescendo.
Foi-me impossível não recordar Desgraça de Coetzee. Desconheço se a escritora já falou sobre as semelhanças que existem entre os dois livros, que em nada diminuem o seu trabalho, e que para quem, como eu, acha o livro de Coetzee uma obra-prima, é até uma comparação bastante simpática.
No rescaldo do Misericórdia, decidi ler este que tinha requisitado na biblioteca, juntamente com mais quatro bem grandinhos, convencidissima que ia lê-los todos. Li três, abandonei um e nem tentei outro.
Foi a primeira experiência com esta escritora e não me deixou com vontade de ir ao segundo. Sinto que esta publicação também vai ser do contra. Juro que não é propositado e eu não sou assim tão irritante.
A Mãe de Frankenstein foi uma leitura chata, arrastada. É mais do mesmo: temos o médico que em jovem se viu obrigado a fugir do fascismo, a influência do regime em todas as esferas sociais, misturado com a religião católica, os judeus que escaparam dos nazis, as más condições dos hospitais para doentes mentais e a ausência de direitos e liberdade das mulheres. Preferia que a escritora se focasse só no manicómio, no crime de Aurora Rodriguez Carballeira e na eugenia (como era tão aclamada nos núcleos científicos e intelectuais, da direita à esquerda). Há demasiado ruído que se reflecte no número de páginas. Imaginem uma estante com frascos, cada um contendo um assunto, acontecimento ou conceito, organizada por temas e épocas. Almudena agarrou em vários frascos, da mesma prateleira, conforme conseguiu (caiu-lhe o dos campos de concentração, menos mal!) e escreveu A Mãe de Frankenstein.
Evito ler este género de livros simplesmente por não me acrescentarem. Funcionarão muito bem para todo um outro grupo de leitores. Não funcionam para mim pois sinto que estou a reler histórias que já conheço ou acontecimentos/situações/personagens que já se cruzaram comigo, se não em livros então no cinema. A Segunda Guerra Mundial é um tema para lá de esgotado. Ultrapassa-me a insistência na criação de livros que abordam esta época. Não que não seja importante ler sobre, só temos já publicados uma imensidão de livros assim, para os mais variados gostos. Tirando raras excepções, como o caso do livro Soldados de Salamina de Javier Cercas que li com anos de atraso e me deixou deitada em posição fetal, a chorar que nem uma bebé.
Peguei em Misericórdia por fazer parte do grupo de leitura da biblioteca que frequento. Não estava com muita vontade (tínhamos lido recentemente Leite Derramado que, como já aqui contei, abandonei). A forma como se olha para os lares de idosos e estes são retratados segue, grosso modo, uma linha populista e sentimentalista de reforço à ideia de abandono e culpa que não me interessa minimamente.
Por isso vou destoar de todas as críticas espectaculares e maravilhosas que fui lendo até agora. Não é que tenha sido uma leitura horrível ou dos piores livros que li, pois caso fosse teria sido igualmente abandonado. Influenciada pelas opiniões super positivas, fui insistindo sempre com esperança que a história a dada altura quebrasse o ritmo e me agarrasse. Nunca aconteceu. E nunca aconteceu porque a história não é nem original, nem cativante. Para mim é o tipo de livro que ecoa a necessidade do escritor em escrever para si próprio, às vezes dá lugar a obras bem bonitas, outras caem no esquecimento.
O tamanho do livro é um exagero. Cada vez mais valorizo livros que sendo pequenos nos oferecem complexidade e personagens com profundidade. O que não é o caso aqui. A história é um poço de lugares comuns sobre lares, idosos e os seus receios, conflitos existenciais e familiares. Acredito que seja um tema difícil de trabalhar mas esta opção apresentada soa-me preguiçosa. Colocando de lado a componente biográfica, que me parece um óptimo ponto de partida, fico com a sensação que sobra pouco se excluirmos o apelo à empatia.
Pontos que me agradaram: o realismo ao relatar as várias situações entre os trabalhadores do lar e os idosos, principalmente na exposição das condições laborais, na ausência de formação adequada, na exploração de mão de obra imigrante e as rotinas, as actividades e projectos que procuram estimular não só a parte física como a psicológica e que segundo a Sra. Alberti são degradantes - levante-se aqui a problemática do "isto faz bem" vs "sinto-me idiota a fazer isto". O tom caricato que às vezes sobressai no texto ajuda a que a leitura não seja tão aborrecida.
Sou pessoa de listas, pelo que passo algum tempo (demasiado) a elaborar as mais variadas listas de livros ou filmes, sendo que se com os filmes consigo ir eliminando, já com os livros elas só crescem. São mini agendas e blocos que andam perdidos lá por casa com páginas cheias de listas de livros por países, temas, géneros, prémios, editoras, enfim...
Foi enquanto fazia mais uma lista que fiquei a conhecer a existência da Sra. Selma Lagerlöf provavelmente enquanto procurava por obras escritas por mulheres (uma das minhas manias dos últimos anos). Encontrei-o na biblioteca. Poderia ter sido uma leitura mais rápida mas calhou numa altura atribulada e foi só arrastada. Não que não tenha tido o seu interesse, gostei particularmente da atmosfera em que se ambienta a história e dos cenários. O tom moralista da narração não me convenceu. Senti que estava a ler um conto educativo para crianças. Percebi mais tarde que é uma trilogia e até gostava de ler os outros dois livros (nem sei se estão traduzidos), só para conhecer que desenvolvimentos se seguem.
Foi uma leitura mediana, que me entusiasmou mais no pós-leitura imediato e que agora, mês e meio depois, me diz pouco. Terei de explorar mais as obras da escritora. Pelo menos apreciei a sua escrita, o que é sempre meio caminho para não a excluir no futuro.
Desconhecia a história de Maria Adelaide da Cunha até me cruzar com o livro de Manuela Gonzaga.
Julguei que pelo volume do livro ia chegar a uma certa altura em que a leitura se tornaria aborrecida, afinal haveria tanta informação assim sobre um acontecimento tão lá para trás no tempo? Pois não aconteceu. Foi uma leitura bastante agradável, pouco dada a laivos de romance histórico, sucinta aos factos e acontecimentos a que a escritora conseguiu aceder através de documentação armazenada na casa da família Cunha.
"tive acesso a relatórios médicos detalhados, processos policiais, registos de tribunal, actas, bilhetinhos, cartas, diários, fotografias, livros publicados na época, assinados por psiquiatras, advogados, jornalistas, gente directa ou indirectamente envolvida na trama. Passei muitas semanas a consultar jornais, sobretudo A Capital e o Diário de Notícias de 1919 a 1923. Cruzei informações. Recolhi testemunhos orais, pois conheci pessoas que ainda chegaram a conhecer Maria Adelaide depois dela ter saído do Hospital Conde de Ferreira. Visitei os locais onde tudo isto se desenrolou. E, passei meses e meses na biblioteca da Senhora de São Vicente a ler e anotar de fio a pavio a documentação encontrada no fundo falso de uma escrivaninha. Eram as peças que Alfredo da Cunha coligira, para montar a teia da sua defesa e do seu ataque. Tudo, e por iniciativa dos novos donos, devidamente catalogado e arrumado em pastas. Centenas de documentos. Muitos milhares de páginas. Fascinante."
Fascinante, sem dúvida. De realçar que o que mais me interessou foi a manipulação da opinião pública e do circulo de proximidade de Maria Adelaide contra a própria, manipulação essa feita com base nas teorias cientificas mais "avançadas" da época na área da psiquiatria: as mulheres que fugiram ao padrão dos "bons costumes" eram histéricas, depressivas e claramente incapazes, portanto a solução estava numas temporadas enclausuradas em hospitais para doentes mentais, privadas de contacto com o exterior, onde a única coisa que crescia era o sentimento de injustiça. É realmente sinistro olhar para os problemas mentais, na figura da mulher, e associa-los ao útero ou ao clitóris; uma mulher decidir trair o seu marido jamais poderia ser um acto de uma mulher "sã", segundo os maiores psiquiatras portugueses como Egas Moniz ou Júlio de Matos (que seguiam a corrente de pensamento internacional). Não fosse Maria Adelaide uma senhora da alta sociedade e talvez nunca tivesse conseguido escapar. Aliás, quantas Marias Adelaides não terão existido sem terem deixado rasto?
Este livro acaba por complementar a leitura d'O Papel de Parede Amarelo de Charlotte Perkins Gilman, ainda que de forma não programada. Quando peguei neste Doida Não e Não não tive presente que tinha lido outro com a mesma temática recentemente.
Após ler, pesquisei um pouco sobre a Sra. Maria Adelaide e parece que há uma certa polémica em torno de um livro da Agustina Bessa Luís e na sua adaptação Ordem Moral. Não li Doidos e Amantes nem vi o filme, mas lendo esta entrevista não fiquei com vontade.