O Papel de Parede Amarelo de Charlotte Perkins Gilman
Muito interessante este O Papel de Parede Amarelo de Charlotte Gilman. De forma breve, mas bem conseguida, explora as perturbações de uma mulher cujo marido é também o seu médico. Tendo como diagnóstico um quadro de histeria depressiva, a cura passa por um período de afastamento social numa casa arrendada para o efeito e onde a narradora fica sob total controlo por parte do esposo. Isolada, sem ter com quem falar abertamente e privada de circular fora da casa, acaba por ficar obcecada pelo papel de parede amarelo do seu quarto.
É um conto realmente fascinante. Em poucas páginas a autora estabelece um clima de medo e loucura bem estruturado, lendo-se rapidamente e com um final que abre portas a múltiplas interpretações. Parece-me que há muita simbologia em torno do papel de parede, da figura feminina, de como a personagem (no seu delírio) é puxada para um mundo cheio de outras mulheres que lá habitam.
Mas que mulher foi Charlotte e que experiências marcaram não só a sua existência, como as suas obras? Nascida em 1860, filha de pai-que-abandona, vivia na pobreza. Por este motivo passava grandes temporadas com tias - mulheres politizadas, ligadas à escrita e educação. Era boa aluna, gostava de pintar e ler. Na escola manteve uma relação platónica com uma amiga, recusando o ideal romântico entre homem e mulher, até se casar em 1884. Um ano mais tarde é mãe. Casamento e maternidade intensificaram o seu estado depressivo (como não, certo?). E também ela, a par da protagonista do Papel, passa pelo "bed rest", nada mais nada menos que: deitada, sem esforços e excitações, vegetar na cama até novas ordens. Comprovou-se que este tratamento de eficaz tinha pouco. Com Charlotte quase a conduziu ao suicídio. Seguiu-se o divórcio. Volta a casar com um primo advogado. Envolve-se em várias associações políticas, utilizando a escrita para reforçar as suas preocupações sobre os direitos das mulheres, a figura feminina e a participação activa das mulheres na sociedade. Suicida-se após lhe ser diagnosticado cancro.
Aparentemente uma mulher para admirar não é? Só que não. A boa da Charlotte achava que os americanos negros eram um problema. E o que que era porreiro era agarrar nessa malta e fazer uma espécie de nova escravatura. Com certeza quando defendia o direito ao voto era o direito ao voto para mulheres brancas e instruídas. Não o resto da plebe. A eugenia estava em voga e sabemos bem como foi a primeira vaga feminista.
Ultrapassando que estamos a ler alguém racista, vale a leitura.