Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

sigilosamenteliteraria

sigilosamenteliteraria

foto do autor

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub
24
Mai24

A Balada de Iza de Magda Szabó

Cláudia F.

Foi a minha terceira experiência com Magda Szabó. Gostei muito de A Porta e quando encontrei na feira do livro no ano passado, como livro do dia, Rua Katalin, decidi comprar. Infelizmente não estava a ser uma leitura agradável, pelo que o abandonei e ofereci à biblioteca. A Balada de Iza foi uma escolha do clube de leitura da biblioteca, cuja temática este ano é o idadismo e a forma como a sociedade trata as pessoas de idade avançada. Sendo o motivo pelo que tenho lido (ou abandonado) vários livros cujas histórias abordam este conceito. Apesar de existir um assunto ou tema definido pela biblioteca, somos nós, leitores e membros, que sugerimos as obras a ler. A sugestão que dei foi Jezabel de Irène Némirovsky  que li no passado e se tornou um favorito (tenho uma paixãozita literária pela Irène).

Os livros de Magda que li anteriormente não foram lineares e por estar um pouco saturada da temática, iniciei-o a medo. Acabou por correr bem apesar de não o achar desafiante ou surpreendente. 

Procurei um pouco mais sobre a história do país e noto uma caracterização mais pormenorizada dos tempos anteriores e posteriores à ocupação nazi, através do despedimento do pai de Iza e na forma como esta cresce e se envolve activamente na vida política, mesmo que isto lhe custe o casamento, além dos tempos de estudante do ex-marido de Iza. O leitor ganhava em existir, neste livro, um pequeno texto no início ou no final, contextualizando certas datas e acontecimentos. Para quem se limitar a ler sem procurar informação histórica, perderá uma boa base de entendimento não só da acção mas também da construção das personagens.

"When the time frame shifts to Antal’s childhood, we learn that he is the child of a laborer who died in a brutal work accident, upon which the boy received a scholarship to attend primary school—and book money from Iza’s father, a left-leaning judge who was forcibly retired during the right-wing 1920s. Antal learns of his benefactor’s political disgrace in 1933, meets and falls in love with Iza in 1941, and marries her in 1948."

Iza representa a modernidade, o acesso ao conhecimento, o activismo político, o desapego pelo tradicional. A mãe é o seu oposto. Cada lado terá os seus aspectos positivos e negativos, a raiz do problema é a dificuldade em equilibrar as duas realidades no mesmo momento, com igual importância, quando uma delas está fragilizada e outra está no seu auge.

O que me mais me agradou foi deixar margem para diferentes interpretações e empatias. Penso que algumas pessoas se identificarão mais facilmente com a idosa, outras com a filha, outras ainda com o genro. Outras haverá que simpatizam com mais do que uma personagem. E isto é qualquer coisa de bom. Interessa-me quando os livros não são preto ou branco, moralistas, criando espaço para demonstrar a complexidade da realidade explorada. Não fiquei particularmente agradada com o final que a escritora escolheu, ou melhor, não gostei da execução, que me pareceu uma trapalhada. Magda fartou-se e desistiu. Foi fazer qualquer coisa melhor. Uma pena.

15
Mai24

Ela bateu às portas da vida

Cláudia F.

São poucos os escritores que me fascinam ao ponto de querer ler toda a sua obra. O tempo é curto, livros são demasiado caros e nem sempre existem na biblioteca - o que me dificulta a exploração. No entanto, quando fico verdadeiramente empolgada faço questão de comprar, não apenas pela posse material do livro, mas pela satisfação de ler um/a escritor/a que já me fez feliz. Os livros da minha estante são uma espécie de horcrux (mas versão do bem e não das trevas) que, se não guardam parte da alma do seu criador, pelo menos preservam a memória que tenho de cada leitura. Às vezes vou ao escritório e fico alguns minutos só a olhar para eles, tiro um ou outro, lembro-me de qualquer coisa sobre aquelas histórias ou sobre o momento em que os li, volto a guardar no sítio. Sinto-me feliz ali, perto deles. Penso que todos os leitores sentirão o mesmo.

Uma das minhas últimas paixões literárias é Maria Archer, escritora, antifascista.

Fiz praticamente toda a colecção Censura no Feminino do Público, em que se inclui Ida e Volta de Uma Caixa de Cigarros e Casa Sem Pão. Depois da leitura destes dois e enquanto procurava informações sobre a escritora, encontrei um curso online da Bertrand sobre Maria Archer e Judith Teixeira (também faz parte da colecção), dado pela Lúcia Vicente. Julgo ter sido este ou outro bastante semelhante. Fiquei ainda mais interessada em ler as restantes obras de Archer, principalmente Aristocratas, pelas apreciações ouvidas no curso. Consegui comprá-lo a um preço aceitável (há quem o venda entre os 30€ e os 60€, preços bem acima das capacidades de uma pobre proletária como eu). Li e fiquei arrebatada. Para mim é uma obra-prima. Foi o livro mais aclamado pela crítica literária, apesar de Archer já estar, na época, sob vigilância da censura. A componente auto-biográfica que lhe valeu a ostracização familiar e que chocou o círculo social onde até então se movia, acrescenta uma certa magia a toda a narrativa, principalmente se soubermos de antemão como foi a sua vida. Se o terminei de lágrimas nos olhos? Sim. 

Ao fim de alguns meses comprei Bato Às Portas da Vida, que iniciei sem grandes expectativas, pensando "a senhora tem de ter algum livro que não seja de excelência, certo?" Só que não. Num registo muito mais obscuro, sem as pitadas de humor que encontramos noutros trabalhos, esta leitura foi verdadeiramente emotiva e triste. Acompanhamos a narradora desde a infância até à idade adulta, atravessando diferentes períodos da história portuguesa. Maria Archer tem o dom de, de forma subliminar, através da sugestão ou da intuição, passar para o leitor a complexidade do meio em que a história decorre sem necessidade de desdobrar a acção. Tudo gira em torno da narradora e ela carrega às costas o peso da narrativa. Estas características aplicam-se não só a Bato Às Portas da Vida mas, na realidade, a todos os seus livros.

Decidi comprar as únicas edições "recentes" que existem no mercado: Ela É Apenas Mulher e Nada Lhe Será Perdoado. Apesar de serem bons livros não chegam ao patamar dos que mencionei anteriormente. E não sendo geniais valem bem a leitura e o desprazer que é olhar para as suas capas. São óptimas histórias.

Em Archer não há pedantismo e floreados, a escrita é directa e crua, sem perder a beleza. Não há páginas a mais nem a leitura se torna em momento algum aborrecida. Aparenta simplicidade, mas tendo em conta que viveu e publicou durante a ditadura, detinha a mestria de brincar com as palavras, escrevendo ao não escrever o que pretendia transmitir, driblando a censura*. Exemplo disso é a forma como, em Aristocratas, relata uma violação brutal sem de facto o fazer, envolvendo o mecanismo de escrita na caracterização da condição feminina da personagem (silenciada na escrita, silenciada na acção, silenciada na sociedade alvo de critica). O livro pensado e estruturado como um todo que se une e funciona em plena sintonia.

A forma como a escritora explora a ligação materna, o terror psicológico e abuso físico entre pais e filhos, a castração da existência alheia baseada no sexo, a hipocrisia e a falsidade da classe burguesa, a podridão que vai corroendo as ligações familiares e contagiando tudo à sua volta, a luta pela independência das mulheres e as idiossincrasias da sociedade portuguesa, é feito com tal mestria que a eleva a uma categoria literária na qual tenho muita dificuldade em encontrar uma escritora, portuguesa, que lhe seja equiparável. 

Tenho para ler A Primeira Vítima do DiaboHá-de Haver Uma Lei, dois livros de contos. O primeiro comprei no ano passado e fui deixando na estante. Daqui para a frente os restantes livros que me faltam são cada vez mais difíceis de adquirir, pela sua escassez no mercado alfarrabista. Não quero chegar ao ponto de não ter nenhum livro da autora para ler. Sei que é inevitável, cada leitor tem as suas manias e esta é uma das minhas. Eis que me lembrei este mês de procurar novamente e encontrei Há-de Haver Uma Lei. Inserir aqui o som de gritinhos histéricos. Irei então ler um deles brevemente. O outro ficará na estante até à próxima compra ou até me sentir capaz de aceitar que é o fim desta jornada.

E escrevo tudo isto para quê? Para que mais pessoas se interessem pela obra de Maria Archer. Para que se procure, se leia, se conheça, se publique. Peço aos deuses livreiros: que se publique Maria Archer, caraças! É essencial que a sua obra seja lida para que não fique para sempre esquecida. Aliás, quantas Marias não existirão na literatura portuguesa, apagadas e desconhecidas?

KUJICAM_2024-05-07-21-32-49_developed.jpg

Artigo sobre Maria Archer aqui e livro biográfico recente sobre a escritora aqui.

* Maria Archer teve vários livros censurados, desde cedo sinalizada pela PIDE e sofreu forte vigiância, principalmente após o seu envolvimento no MUD e apoio à campanha eleitoral de Henrique Galvão: "acompanhou, de perto, o julgamento do contestador da ditadura salazarista, capitão Henrique Carlos Galvão no Tribunal Militar de Santa Clara. Tendo-se proposto escrever um livro sobre o mesmo, vira a sua casa invadida pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) logo após o final do julgamento, em 1953. Viria a publicá-lo em 1959, no Brasil, sob o título Os Últimos Dias do Fascismo Português".

PT-TT-SGPCM-GPC-0840-00019_m0001_derivada.jpg

Carta de Maria Archer ao Governo pedindo para que o seu livro não seja censurado. A carta completa pode ser consultada aqui.

03
Mai24

Um Amor de Sara Mesa

Cláudia F.

Cresce cada vez mais a minha admiração por escritores que conseguem concentrar grandes histórias em poucas páginas. Este livro é um desses casos.

Lê-se sem dificuldade e tivesse eu mais tempo livre menos dias me teria demorado. Se o título remete para uma história de amor, a história em si vai além do padronizado, do esperado, podendo incomodar alguns leitores mais conservadores no que toca a relacionamentos e às expectativas que se criam sobre o que é amar e ser amado. É aí que reside a beleza deste livro, coloca em perspectiva uma realidade que, a dado momento da vida, todos nós tentamos camuflar: o amor não é sempre igual ao que nos ensinam os livros e os filmes, tão cheio de positividade e felicidade, pode e é muitas vezes bem mais obscuro e feio do que gostávamos de admitir. Não deixando de ser também amor. Aceitar isto incomoda. Este contraste ficou claro no relacionamento entre a personagem principal e o vizinho, que para mim foi inicialmente incomodativo (não vou divagar sobre a minha opinião sobre a prostituição) mas a naturalidade com que a escritora o explora, puxa inclusive a ideia de consentimento, o que equilibra a equação. Há muito a extrair destas personagens, mesmo que, segundo várias críticas negativas, a história tenha pouca acção. Discordo completamente destas opiniões. As dinâmicas aparentemente simples e corriqueiras enriquecem a teia com realismo puro, depressivo e complicado. É exactamente este o tipo de enredo que gosto e Um amor foi uma leitura extremamente satisfatória com as últimas páginas a serem lidas em crescendo.

Foi-me impossível não recordar Desgraça de Coetzee. Desconheço se a escritora já falou sobre as semelhanças que existem entre os dois livros, que em nada diminuem o seu trabalho, e que para quem, como eu, acha o livro de Coetzee uma obra-prima, é até uma comparação bastante simpática.

Uma escritora a quem retornar brevemente.

foto do autor

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub