Ninguém se questiona sobre a quantidade de livros publicados só sobre Auschwitz?
O Tatuador de Auschwitz, O Mágico de Auschwitz, A Bailarina de Auschwitz, As Gémeas de Auschwitz, As Costureiras de Auschwitz, As Cartas Perdidas de Auschwitz, O Farmacêutico de Auschwitz, A Ruiva de Auschwitz, Sonata em Auschwitz, O Bebé de Auschwitz, Os Bebés de Auschwitz, A Rapariga de Auschwitz, O Fotografo de Auschwitz, Os Que Desapareceram em Auschwitz, A Bibliotecária de Auschwitz, O Voluntário de Auschwitz, Duas Irmãs em Auschwitz, O Violino de Auschwitz, A Contadora de Histórias de Auschwitz, As Irmãs de Auschwitz, O Sabotador de Auschwitz, A Pianista de Auschwitz, O Rapaz de Auschwitz, A Violinista de Auschwitz, O Carteiro de Auschwitz...
Pesquisando sobre a invasão da Ucrânia, livros publicados entre 2022 e 2024:
A Mais Breve História da Ucrânia, Ucrânia Insubmissa, Uma Mensagem da Ucrânia, A Ucrânia e a Rússia, Ucrânia - 35 Pontos Fundamentais para Entender a Invasão Russa, Uma Encíclica sobre a Paz na Ucrânia, Ali Está o Taras Shevchenko com Um Tiro na Cabeça: Diário da Ucrânia, A Verdadeira Guerra: A invasão da Ucrânia e a Defesa Nacional Portuguesa, A Porta da Europa: Uma História da Ucrânia, Os Resistentes: O poder do sacrifício humano no combate ao invasor. Da antiguidade à Ucrânia, Viagem ao Coração de uma Guerra Futura Ucrânia, Rússia, Leste da Europa 1995-2022, A Guerra Quente e a Paz Fria - Sobre as origens da guerra na Ucrânia, A Guerra Russo-Ucraniana O regresso da história, Ucrânia - Uma guerra de embustes, Ucrânia - O que Toda a Gente Precisa de Saber...
Neste momento penso: porra, devem existir carradas de livros sobre a ocupação da Palestina e o colonialismo israelita. Pesquiso.
Palestina - Uma Biografia - Cem anos de guerra e resistência, A mais Breve História de Israel e da Palestina - Do sionismo às intifadas e a luta pela paz, Viagem à Palestina - Prisão a céu aberto, As Origens do Conflito Israelo-Árabe...
Na primeira pesquisa utilizei apenas "livros Auschwitz". Na segunda pesquisa utilizei apenas "livros Ucrânia". Na terceira pesquisa utilizei apenas "livros Palestina".
Não posso ser a única a achar que há um problema no mercado livreiro em Portugal (e no mundo). Não posso ser a única a questionar a quem serve este filtro sobre o que se edita ou não se edita quando assistimos a um genocídio.
Se agora, com todas as atrocidades que estão a ser cometidas pelo governo israelita, o mundo não acordar e apoiar definitivamente a causa palestiniana, não valemos nada como colectivo que habita este planeta.
Um dia a Palestina será livre, do rio até ao mar.
Reflexões interessantes que encontrei por estes dias aqui e aqui.
Sobre o lóbi israelita/sionista: livro porreiro da Tinta da China.
Ps: existem outros livros sobre a Palestina que já estão fora de circulação, só se encontrando à venda em alfarrabistas, bibliotecas e em segunda mão. Existem também outros livros sobre Auschwitz e sobre a guerra na Ucrânia mas limitei-me a listar os publicados recentemente ou que se conseguem comprar facilmente. Ler para saber é primário. Com tanto que se tem falado (mais em Outubro e Novembro) sobre a Palestina é natural que aqueles que pouco sabem sobre a situação procurem livros. Se foram à wook, por exemplo, existem aqueles três primeiros (em português). Três livros sobre uma atrocidade cometida desde 1948, com tanto para expor, para reflectir. Três livros apenas.
Literatura japonesa é sempre desafiante. Costumo apreciar, ainda que reconhecendo uma certa estranheza que não é nada mais do que reflexo das diferenças entre ocidente e oriente. Também faço parte daquele grande grupo de pessoas que se fascina com a idealização da cultura japonesa: gueixas, samurais, tradição do chá, angústia, existencialismo, tendências depressivas e suicidas... Tudo coisas que fazem parte do meu imaginário sobre o Japão que apenas conheço dos livros, filmes e animação.
Um Homem em Declínioofereceu tudo o que eu esperava. Incluindo a sensação de desagrado e desconforto fruto das decisões e percurso de vida do protagonista. O seu desespero é tão sincero que se transporta para quem lê, conforme vamos acompanhando a passagem dos anos, desde a infância até à fase adulta. O que escrever sem desvendar demasiado? Seguimos Yozo, que nasceu inadaptado. Cedo percebe que não é igual aos outros, que percepciona a realidade como se dela não fizesse parte, apenas um observador das idiossincrasias da humanidade. Por mais esforço que faça não há máscara que lhe sirva, nem papel social que o preencha. Desde as relações laborais às intimas, tudo é desastre. O retrato de um individuo permanentemente insatisfeito, que rapidamente compreende que deste mundo nada lhe será oferecido a não ser mágoa e frustração.
Dazai, a par de outros escritores japoneses, cometeu suicídio. Há muito do escritor em Um Homem em Declínio. As semelhanças entre a vida do escritor e a trajectória do protagonista são óbvias após se pesquisar um pouco. A par de Kenzaburo Oe (li e não adorei), Osamu Dazai é um dos grandes nomes dentro do género shishōsetsu e irei com certeza ler pelo menos As Flores do Riso (actualmente em português só se encontram traduzidos dois livros).
Muito interessante este O Papel de Parede Amarelo de Charlotte Gilman. De forma breve, mas bem conseguida, explora as perturbações de uma mulher cujo marido é também o seu médico. Tendo como diagnóstico um quadro de histeria depressiva, a cura passa por um período de afastamento social numa casa arrendada para o efeito e onde a narradora fica sob total controlo por parte do esposo. Isolada, sem ter com quem falar abertamente e privada de circular fora da casa, acaba por ficar obcecada pelo papel de parede amarelo do seu quarto.
É um conto realmente fascinante. Em poucas páginas a autora estabelece um clima de medo e loucura bem estruturado, lendo-se rapidamente e com um final que abre portas a múltiplas interpretações. Parece-me que há muita simbologia em torno do papel de parede, da figura feminina, de como a personagem (no seu delírio) é puxada para um mundo cheio de outras mulheres que lá habitam.
Mas que mulher foi Charlotte e que experiências marcaram não só a sua existência, como as suas obras? Nascida em 1860, filha de pai-que-abandona, vivia na pobreza. Por este motivo passava grandes temporadas com tias - mulheres politizadas, ligadas à escrita e educação. Era boa aluna, gostava de pintar e ler. Na escola manteve uma relação platónica com uma amiga, recusando o ideal romântico entre homem e mulher, até se casar em 1884. Um ano mais tarde é mãe. Casamento e maternidade intensificaram o seu estado depressivo (como não, certo?). E também ela, a par da protagonista do Papel, passa pelo "bed rest", nada mais nada menos que: deitada, sem esforços e excitações, vegetar na cama até novas ordens. Comprovou-se que este tratamento de eficaz tinha pouco. Com Charlotte quase a conduziu ao suicídio. Seguiu-se o divórcio. Volta a casar com um primo advogado. Envolve-se em várias associações políticas, utilizando a escrita para reforçar as suas preocupações sobre os direitos das mulheres, a figura feminina e a participação activa das mulheres na sociedade. Suicida-se após lhe ser diagnosticado cancro.
Aparentemente uma mulher para admirar não é? Só que não. A boa da Charlotte achava que os americanos negros eram um problema. E o que que era porreiro era agarrar nessa malta e fazer uma espécie de nova escravatura. Com certeza quando defendia o direito ao voto era o direito ao voto para mulheres brancas e instruídas. Não o resto da plebe. A eugenia estava em voga e sabemos bem como foi a primeira vaga feminista.
Ultrapassando que estamos a ler alguém racista, vale a leitura.
Há alguns anos ouvi no podcast A Beleza das Pequenas Coisas o escritor Giovani Martins. Fiquei tentada a lê-lo. Cruzei-me com Via Ápia na biblioteca e trouxe-o comigo.
Se há escritores que apresentam uma escrita difícil de decifrar apesar de escreverem em português, outros há que mesmo recorrendo a um calão que me é desconhecido se revelam numa linguagem que compreendo quase automaticamente. É acessível, directa e fez-me virar página atrás de página.
Via Ápia retrata muito bem o medo da polícia e os abusos físicos/psicológicos aleatórios, perpetuados pela inacção política, contra os moradores; a ideia aceite de que a qualquer momento se vai ser parado, revistado e agredido, sem motivo real, espelha o sentimento de injustiça que acompanha desde tenra idade Washington e Wesley (irmãos) e os três amigos Douglas, Murilo e Biel. Ainda que a realidade brasileira, no que toca ao funcionamento e organização da polícia, tenha muitas diferenças da portuguesa, é muito mais aquilo que nos une do que o aquilo que nos separa. Infelizmente.
Um factor constante ao longo da obra é a banalização do consumo de droga, seja leve ou pesada. Não apreciei e torna-se em certos momentos a única coisa que parece ter relevância no dia-a-dia das personagens. Navega-se numa ideia que parece ignorar os factores negativos não só do consumo mas do tráfico e dessa ligação à população da favela e por extensão à política de actuação da polícia. Acho que nem tão preto nem tão branco. Fica de parte todo o cinza que não entra na equação de Geovani.
Há aspectos que me deixam dividida, como:
1. A ausência de oscilações no carácter das personagens; são todas lineares e pouco desafiantes. É demasiado fácil criar empatia e revermos-nos em todos eles. Faltou um filho da mãe ali no meio. E sim, podemos ver a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) ou qualquer força que actue como opressor - sistema capitalista, por exemplo - como vilão nesta história. Ainda assim senti falta de mais camadas, de um pico de intensidade que nunca chega.
2. Compreendo que marginalizar os que já são marginalizados acrescentaria zero e talvez parta daí a motivação do escritor em construir a história desta maneira: gente boa, com sonhos e ambições profissionais, pacífica, que só quer uma vida boa.
Foi com uma sensação agridoce que o terminei. Não é um mau livro, longe disso. Apenas não foi tudo aquilo que eu acredito ter potencial para ser.