Parece que a existência de uma biblioteca digital gratuita passou a ser a minha cena favorita de 2025. O tempo que ocupava a escrever, neste espaço, algumas opiniões e bitaites sobre as minhas leituras, passou a ser ocupada pela leitura de eBooks. Ofereceram-nos a BiblioLED e pronto, juntou-se o útil ao agradável. É ela a maior culpada por não andar muito activa por aqui. Vou deixar um resumo das leituras feitas em Janeiro e Fevereiro, com um achismo bem pequenito sobre cada uma delas:
A Parede de Marlen Haushofer
Fiquei encantada com o filme e pensei, sinceramente, que por conhecer o enredo e desfecho, o livro pudesse ter perdido alguma da sua magia. Pelo contrário, custou-me bastante por antecipar o sofrimento da personagem, que eu conhecia e temia.
Escrito em jeito de diário, em A Parede de Marlen Haushofer acompanhamos uma mulher que no seguimento de uma viagem, se vê isolada por uma parede transparente (tipo vidro sem ser vidro) na montanha, rodeada pela floresta, ribeiras e animais selvagens. É uma narrativa maravilhosa de sobrevivência e reconexão com a natureza, um regressar às bases da simplicidade da vida humana, quase um regredir para uma versão animal, no sentido das únicas preocupações serem sobreviver - arranjar comida, adaptar-se às estações do ano, proteger-se de predadores e da natureza em si. A sinopse aponta-o como um livro ecofeminista. Eu concordo. É um retrato profundamente humano sobre perder certas características que pensamos serem as que nos tornam humanos em contraste com os restantes seres ou organismos vivos que habitam neste planeta. O mistério em torno da parede (o que é, como surgiu) remete-nos para um mundo no limite de uma guerra nuclear (foi escrito durante a guerra fria) e eis que 2025 está bem próximo de 1963 - medo de uma guerra mundial, descrédito na sociedade (dita) desenvolvida, e por aí vai. Um favorito.
Para Acabar de Vez com Eddy Bellegueule de Édouard Louis
Há alguns anos que tenho os livros do Édouard Louis na lista de desejos e foi dos primeiros a ser lido pela BiblioLED. O que dizer? É uma obra brutalíssima que não nos leva a lugares bonitos. Da primeira à ultima página senti que estava a ler um livro de uma honestidade profunda e em certos momentos as semelhanças entre gerações e classes, em Portugal e em França, são muitas. Demasiadas, infelizmente. Talvez quem venha de um meio pobre, como o retratado e vivido pelo escritor, tenha um entendimento extra sobre Para Acabar de Vez com Eddy Bellegueule e por isso, especialmente por isso, confesso que o adorei de uma ponta à outra. Acompanhamos Eddy que vive num meio operário, ausente de estruturas - educacionais, familiares, sociais, económicas - que cedo se percebe que gosta de meninos. Cresce num meio que não o compreende, muito menos o aceita. Conhecemos a extensão dos maus tratos e negligência e de como o moldam, ou o empurram para fora do seu núcleo, permitindo-lhe ascender a algo melhor. Mais um favorito.
Amor Livre de Tessa Hadley
Olhem, às vezes decido-me a ler livros sem qualquer explicação coerente. Amor Livre de Tessa Hadleyrevelou-se um poço de clichés e lugares comuns. Uma história que até tinha capacidade para se tornar relevante, pela construção da personagem principal - uma dona de casa inglesa que foge com o amante, muito mais novo, abandonando o esposo e os filhos. A primeira parte manteve-me expectante: como iria a personagem lidar com o peso da pressão social, a culpa, etc., mas a partir do momento em que a fuga se concretiza e outras personagens ganham destaque (a filha, a paixão do marido, o filho escondido...). Ficou demasiado semelhante a uma novela da globo. Já vimos isto em outro lado qualquer. Um aborrecimento.
Pelican Girls de Julia Malye
Não costumo ler romances históricos mas tenho interesse no tema "colonização" e há alguns anos cruzei-me com informação, num podcast de true crime, sobre um estudo qualquer que se debruçava sobre a violência e como esta poderá ser perpetuada a nível social, e que fazia a ponte com o tipo de pessoas que estiveram na base da povoação de certos países que hoje em dia têm altos níveis de violência. Efectivamente sabemos que várias colónias europeias foram povoadas com presidiários, ex-condenados, criminosos. E foi por Pelican Girls tocar nestes tópicos, principalmente através de personagens femininas, que decidi lê-lo. Não encontrei um trabalho muito pormenorizado sobre o que mencionei. Gostei da construção das personagens, do seu crescimento e das suas histórias, de como se cruzam. Há um pouco de "vou encaixar aqui este tema porque fica bem". Algumas das opções da escritora parecem-me q.b. irrealistas e fora de pé. Foi uma leitura fácil que me entreteve.
A Gravidade das Circunstâncias de Marianne Fritz
Tive dificuldades com o inicio da leitura. Wilhelm e Wilhelmine, o esposo e a melhor amiga de Berta, têm nomes muito parecidos e consequentemente dei por mim baralhada a reler as frases anteriores para melhor compreender partes do texto. No geral achei a narrativa de A Gravidade das Circunstâncias confusa, ora repetitiva, ora apressada, quase sem espaço para interiorizar o que nos é descrito. Compreendo a relevância, contexto histórico e as nuances apontadas na análise presente no final do livro, só não foi bem o que antecipei. Não se tratando de uma má experiência também não foi memorável.
Tortura Branca de Narges Mohammadi
Um livro importante com diferentes finalidades. Em Tortura Brancareconhecemos a denúncia da ditadura iraniana baseada no fundamentalismo religioso e a perseguição feita às mulheres do país pelas palavras dessas mesmas mulheres, isoladas em complexos prisionais onde a tortura física e psicológica reina e perante a qual lutam pela liberdade e direitos humanos, sabendo que a sua resistência se traduz em novas prisões, falsos julgamentos e repressão, não só sobre si próprias mas também para os seus familiares. São relatos duros, que puxam à reflexão sobre feminismo e admiração pela capacidade de combate destas activistas. Um exemplo para todos nós.
A Falência de Júlia Lopes de Almeida
Muito agradada fiquei com a leitura de A Falência de Júlia Lopes de Almeida. Pouco ou nada tenho a apontar de negativo sobre esta leitura. Uma escrita fluida e acessível, fui passando as páginas sem dar conta do tempo. A história gira em torno da falência de um empresário português a vive no Brasil desde criança, tendo iniciado a vida na pobreza e conseguindo escalar na montanha social e chegar a homem rico. São várias personagens mas nem por isso a história se torna confusa. A caracterização das personagens e da época é uma delicia. Sem querer fui simpatizando com todas as figuras, torcendo para que se dessem bem na vida, mesmo sabendo que não seria dessa forma que a história se desenrolaria. Desde o início que conhecemos o desfecho, apenas nos deixamos conduzir em direcção à desgraça. Gostei mesmo muito.
A Ilha de Sukkwan de David Vann
Sou ouvinte do podcast "Livros da Piça" e recordo-me de na primeira temporada os anfitriões indicarem A Ilha de Cariboucomo um livro fixe. Fui pesquisar e efectivamente pareceu-me bastante interessante (até pela biografia do escritor, que se mistura com as suas obras num patamar não tão comum). Acontece que, um bocadinho trapalhona como por vezes sou, baralhei-me toda e coloquei A Ilha de Sukkwan na lista de leituras futuras, comprei e li. Depois percebi o erro. Enfim. Na minha opinião a primeira parte do livro é realmente muito forte, com uma atmosfera carregada de tensão e receio pelas decisões futuras dos protagonistas. A meio temos o clímax da narrativa e daí para à frente foi sempre a decair, ao ponto de começar a achar piada a cenas que supostamente seriam chocantes e terríveis, pelo simples facto de me parecerem acções completamente idiotas. Tentarei ler novamente o escritor, ainda assim, pois agradou-me muito a dureza daquela primeira metade.
Melhor Não Contar de Tatiana Salem Levy
Muitas pessoas já lerem este livro, tal como aconteceu com o Vista Chinesa, e eu fui atrás das massas e também o li. Não tenho nada de negativo a apontar. É uma escrita que me toca, que me envolve, que me faz sentido. Sou admiradora do trabalho de Tatiana Salem Levy, adoro a forma honesta como se debruça sobre as questões que explora, sobre o motivo por que escreve, como a realidade toca a ficção, a memória...Condensa em poucas páginas importantes reflexões. Melhor Não Contaré um favorito.
A Liberdade É Uma Luta Constante de Angela Davis
Evito ler certos livros pelo simples facto de não acrescentarem grande informação ao que já sei sobre determinado tópico, principalmente quando não existe desafio ou novidade. Estou a ler e a comprovar ideias que já tenho ou conheço. É uma perda da tempo. Não desfazendo, claro, a relevância de determinado escritor ou obra. Não me faz sentido ler uma repetição a cada página das mesmas questões e problemáticas, pois já contactei com tal realidade no passado. Assim, este livro implicou um esforço da minha parte. A Liberdade é Uma Luta Constante é acessível e fácil de acompanhar, aborda temas muito importantes como o capitalismo, o racismo, a causa palestiniana e pode servir de porta de entrada para quem começa a explorar o registo dos activistas destas causas, as suas intervenções e observações sociais.
Não me apetece nada escrever a minha opinião sobre este livro nem tão pouco fazer o esforço de me recordar da história. Que li, li. Não sei bem o motivo para não o ter abandonado mas alguma coisa me fez ir de uma página para a outra. Lá fui lendo até o terminar. O que retive? Nada de especial. Uma leitura que se apagou da memória. Sendo uma obra cuja base é exactamente a memória e como ela funciona (ou não) tem a sua piada. É um livro que encaixa na categoria "desculpa baby, não és tu, sou eu".
Modos que deixo antes alguns artigos interessantes (quiçá o que se diz sobre o livro seja mais interessante do que o livro em si, o que para mim é sem dúvida fascinante).
Andava curiosa para ler Aline Bei por todas as criticas positivas aos seus livros, recentemente publicados em Portugal. Se reflectir um pouco sobre o que foi a experiência de leitura dos livros O Peso do Pássaro Morto e Pequena Coreografia do Adeus, não gostei e gostei, senti o apelo e não senti, encontrei passagens lindíssimas e outras que me deram vontade de furar os olhos.
Optar por uma estrutura que foge à normativa é um risco. Neste caso funcionou bem na primeira leitura. E funciona bem porque o leitor não sabe ao que vai, há o factor surpresa e uma exigência que nos é feita de abandonarmos a regra, nos moldarmos àquelas páginas e deixar-nos ir onde a escritora nos quer levar, ao seu jeito e no seu ritmo. Há beleza aqui. Até se transformar em regra, uma nova forma de ler que nos é imposta, como todas as outras. É o problema da repetição da originalidade. Não que a estrutura e forma de escrita da Aline Bei seja difícil, é diferente e estranha, para uma prosa, mas não é um texto difícil, com que o leitor se debata em compreender o que o autor pretende transmitir.
Li primeiro O Peso do Pássaro Morto, uma história que se lhe retirarmos a roupagem da escrita não é propriamente genial mas que me envolveu e tocou, pela complexidade que a escritora conseguiu desenvolver em tão poucas páginas. O trabalho em torno da construção das personagens também me agradou, vamos crescendo com a narradora e deprimindo com a sua existência traumática. É um livro sobre violência, amor e vidas tristes. No seu conjunto funcionou bem para mim, li-o rapidamente, embalada nos saltos entre linhas, ficando curiosa o suficiente para requisitar outro livro da escritora passado pouco tempo. Talvez tenha sido esse o problema, já que detestei A Pequena Coreografia do Adeus. Em poucas páginas deixei de querer saber o que acontecia às personagens. Toda a acção é previsível e cliché. A estrutura narrativa passou de interessante e estimulante para irritante e aborrecida. Já não queria mais brincar ao saltar linhas no texto. Esvaziado desta característica estrutural, o que sobra? Uma história prescindível que nada me acrescentou, uma fórmula repetida na banalização do sofrimento.
Termino sem me decidir se Aline Bei é escritora que me satisfaça. Sei que tão depressa não me apetece ler nada seu.
Muito do que penso sobre a escritora Maria Archer pode ser lido aqui. Acabo sempre por me repetir quando o assunto é a sua obra e vida, o quanto gosto de a ler e a revolta literária que não me abandona por não se encontrar publicada e acessível a mais leitores.
Adiante... Há-de Haver Uma Lei é um livro de contos, relativamente curtos, que se lêem muito bem, todos na linha de temáticas abordadas noutras obras da escritora, pelo que não se revela surpresa alguma o desfecho de certas histórias e a tendência para as personagens-tipo que enchem o imaginário de Archer.
Gostei particularmente do conto sobre o casamento interracial, a diferente forma como estas famílias eram vistas e aceites nos países colonizados em contraste com o racismo que sofriam em Portugal. Estamos a falar de um livro de 1949, edição de autor, que retrata a sociedade portuguesa com um certo sarcasmo e muito realismo, principalmente nos seus podres. São raras as vezes em que encontro uma história alegre pelas mãos da autora, o que não é de todo um problema, antes pelo contrário. Foi uma leitura satisfatória (como será sempre ler a Archer). Neste momento só tenho um livro dela por ler, também de contos, que não será lido brevemente para salvaguardar a sensação agradável de ainda ter algo seu por descobrir.
Cruzei-me com informação sobre uma adaptação de um dos contos presentes neste livro, para a RTP, um telefilme realizado por Anabela Moreira, parte do projecto Contado por Mulheres que reuniu um grupo de realizadoras que adaptaram obras de escritores de língua portuguesa. Infelizmente não se encontram disponíveis da RTP Play.
A Semente do Figo Sagrado de Mohammad Rasoulof que é uma brutalidade de perder o fôlego e em simultâneo nos deixar com aquele sorriso parvinho no rosto, do tipo "caraças, isto é muito bom". Cinema a sério.
Não sei se Pequenas Coisas Como Estas funcionará tão bem para um publico que desconheça o livro de Claire Keegan. Os pormenores e as subtilezas que o olhar do leitor procura e encontra podem escapar aos menos familiarizados com a atmosfera típica da sua obra. O filme funciona como um complemento lindíssimo ao livro (que não é o meu favorito da escritora) e é uma óptima desculpa para ver mais uma vez Cillian Murphy e Emily Watson a serem os actores espectaculares a que já nos habituaram.
Fernand Iveton foi um comunista argelino, filho de mãe espanhola e pai francês, que lutou pela independência da Argélia contra a ocupação colonial francesa e foi condenado à pena de morte, sendo assassinado em Fevereiro de 1957. É a história de Iveton, da relação com Hélène e da sua prisão que acompanhamos no livro de Joseph Andras.
No fim da Segunda Guerra Mundial existia nas sociedades colonizadas a esperança da independência e da retirada dos países ocupantes. Esta esperança era comum a todas as colónias de países europeus que haviam lutado contra o nazismo e deram origem a vários processos, mais ou menos violentos, de independência. A Argélia foi um desses países e o conflito um dos mais intelectualmente discutidos. A França, como força colonizadora, recusou a autonomia argelina, comprometendo os valores defendidos anos antes ao lutar contra a ocupação nazi. O pouco tempo passado entre a libertação da França (e da Europa) dos fascistas e a guerra contra a libertação dos países colonizados colocava à vista de todos a enorme contradição em que se encontravam as forças políticas governantes. Defendiam e iam contra os mais básicos princípios de autonomia e liberdade (e parece que não houve qualquer evolução, não é? Ainda nos debatemos com a mesma ausência de escrúpulos). Fruto desta incoerência, crescem idealistas como Fernand e outros resistentes, não só em solo ocupado mas também na própria França.
Fernand junta-se ao partido comunista argelino (PCA) aos 16 anos. Posteriormente alinha-se com a FNL e leva a cabo a acção pela qual é preso: colocar uma bomba na fábrica onde trabalhava. Colocar bombas é mau? É. Neste caso, era uma forma de luta e Fernand programou estrategicamente o local para a bomba e a hora da detonação de forma a que não atingisse qualquer trabalhador, antes afectasse a maquinaria e assim contribuísse para desequilibrar o sector económico. A bomba nem sequer explodiu. Fernand foi preso, torturado, julgado e assassinado para dar o exemplo, para denegrir a imagem dos combatentes da resistência e principalmente por ser considerado um traidor da pátria, um francês a lutar contra o seu povo.
Dificilmente não seria uma leitura satisfatória. Gostei particularmente da forma extremamente humana como Andras retrata Fernand, um homem sonhador e inteligente, fiel aos valores mais universais e também como, na época, as famílias dos resistentes acompanhavam as suas prisões e experimentavam a angustia da impotência perante uma condenação grotesca, violentíssima, às mãos do Estado.
A primeira leitura de 2025 não podia ter corrido melhor. Os Nossos Irmãos Feridos é um favorito que aconselho a todos. Talvez represente uma realidade que julgávamos ultrapassada e que, pela nossa própria inacção e ignorância, me parece cada vez mais próxima. Entenda-se: a da opressão e repressão.
O livro serviu de inspiração ao filme De Nos Frères Blessés, de 2020, que não tive ainda a oportunidade de ver. Artigo sobre esta adaptação aqui.
Sei que estas publicações são por norma feitas em Janeiro, mas eu nunca estou encaixada no ritmo da maioria: apresento (a quem? não importa) a lista das minhas leituras favoritas do ano 2024. Li cerca de 57 livros e escrevi a minha opinião sobre todos eles neste blog - salvo erro, posso ter falhado um ou outro. Utilizo o goodreads, onde todos os anos estabeleço uma meta de leitura que por norma ultrapasso (com excepção do ano em que fui mãe e li 2 livros). Gosto da sensação de ainda ler algumas obras após atingir o objectivo a que me propus. Eu, que não faço desporto, sinto-me como os atletas se devem sentir depois de passar a meta e ainda terem capacidade fisica para correr mais um bocadinho. Foi um ano de várias leituras medianas, umas quantas mázinhas e outras que nem me dei ao trabalho de concluir, abandonando, e 19 livros maravilhosos que têm um lugar especial na estante (os que não foram lidos através da biblioteca) e no coração.
Os Mutilados - Hermann Ungar
Acolher - Claire Keegan
Um Homem Em Declínio - Osamu Dazai
A Partir de Uma História Verdadeira - Delphine de Vigan
Um Amor - Sara Mesa
Puro - Nara Vidal
A Solidão dos Números Primos - Paolo Giordano
O Lado Negro da Mente: Histórias Reais da minha Vida como Psicóloga Forense - Kerry Daynes
Vista Chinesa - Tatiana Salem Levy
Roma, Temos Um Problema - João Francisco Gomes
Desaparecer na Escuridão - Michelle McNamara
Out - Uma Saída - Natsuo Kirino
A Uma Hora Tão Tardia - Claire Keegan
Mrs. Caliban - Rachel Ingalls
O Quinto Filho - Doris Lessing
Um Artista No Mundo Transitório - Kazuo Ishiguro
Mrs. March - Virginia Feito
Gente Comum: Uma História da PIDE - Aurora Rodrigues
A Idade Frágil - Donatella di Pietrantonio
Parece-me uma boa colheita! Vamos ver como corre este ano, se julgar pelas leituras de Janeiro vou bem lançada.
Algumas leituras parecem, de alguma forma e sabe-se lá porquê, estar predestinadas a beirar a perfeição. Já me tinha cruzado com A Idade Frágil, provavelmente quando pesquisava por pré-lançamentos interessantes. Daí que quando o vi numa livraria, mesmo ali uns dias antes do natal, decidi que era um bom acrescento aos outros livros que havia comprado para oferecer a mim própria, e acabou mesmo por ser o segundo da pilha a ser lido ainda em Dezembro.
Começo já por me repetir mas isto tira-me do sério: parem de comparar escritores nas capas dos livros. É um pesadelo que parece não ter fim. Induz as pessoas em erro, cria expectativas que não deviam existir em torno da escrita, da história e das personagens, condiciona os leitores a procurar ecos e semelhanças, neste caso da Ferrante, num livro que não tem qualquer marca da escritora, além de limitar a Pietrantonio, como se a sua obra não valesse por si só, precisando de uma muleta literária para vender. E não precisa, é um bom livro. Obviamente que em momento algum no decorrer da leitura senti qualquer proximidade com as obras da Ferrante (que adoro) compreendendo, por isso, quem vai à procura dela nestas páginas e se sente defraudado.
Ultrapassando esta questão, A Idade Frágil tornou-se o último favorito de 2024. O ser baseado num crime real que ocorreu em Abruzzo, cidade onde a escritora cresceu, foi meio caminho para me manter muito curiosa. Tentei vasculhar e procurar mais informações complementares do crime de 1997 mas só me cruzei com artigos em italiano, língua que não domino, por isso não sei onde termina a ficção e começa o realismo no relato do homicídio das duas jovens e na fuga da rapariga que sobreviveu. No livro, Lúcia foi uma grande amiga da sobrevivente enquanto criança e adolescente, pelo que testemunhou a atmosfera em torno do desaparecimento e desenrolar da investigação. Anos mais tarde, adulta e mãe, é confrontada com paralelismos e ecos de um mundo ainda tão agressivo contra as mulheres, através da sua filha Amanda. A acção no presente decorre no pico da pandemia, Amanda desiste da universidade em Milão e retorna a casa, na aldeia. Volta uma jovem diferente, fechada e deprimida. A escolha de manter o leitor em dúvida sobre a violência exercida contra Amanda e nunca desvendar o que de facto ocorreu, evitando a exploração gratuita do acto, foi uma decisão inteligente, visto que já estamos a acompanhar o crime ocorrido no passado pelos olhos de Lúcia. A escritora conseguiu estabelecer um bom ritmo e uma caracterização suficientemente realista para me fazer sentir que as personagens existiam, tal como a história ali relatada. Gostei da forma como os silêncios se transformam em diálogos e as ausências (de pessoas, de emoções) ocupam espaço na narrativa. A escrita é directa e simples, numa história que não sendo de uma complexidade enorme, trabalha temas que me agradam como a questão do medo, da violência de género, da relação mãe-filha.
Dispensava a questão em torno da venda do terreno e da filha que se revela activista, mas enfim, não se pode ter tudo. É uma obra-prima? Não o diria. Mas li em duas tardes, completamente concentrada e envolvida na história que Donatella me apresentou e isso é imensamente satisfatório. Irei ler outras obras da escritora no futuro.
No natal presenteei-me com livros da Antígona, aproveitando uma baixa de preços que a editora aplicou umas semanas antes. Não é que seja uma novidade oferecer-me livros nessa época, nunca tinha era ocorrido serem todos da mesma editora. O livro A Baleia foi o primeiro a ser lido e não podia ter corrido melhor.
Nas cerca de 40 páginas acompanhamos Pierre e Odile numa caminhada, um passeio até à praia para verem a carcaça de uma beleia branca que deu à costa e ficou a decompor-se na areia. Perturbador? Fascinante? Profético? Que significado retiram as duas personagens da morte daquele gigante dos mares? É uma bonita e dura reflexão sobre a morte, o ciclo que se fecha, ao qual nenhum ser escapa. Foi uma leitura muito satisfatória.
Entretanto, ao procurar mais informações sobre o escritor (que faleceu aos 49 anos vítima de tuberculose, tendo passado os últimos anos em sanatórios e quartos alugados, de onde aliás terá escrito grande parte da sua obra) cruzei-me com uma curta baseada neste seu texto. Enquanto lia pensava que daria um belo filme, o ambiente em que as personagens se movem é bastante cinematografico e é uma pena que a curta não esteja disponível, mas a julgar pelas fotografias creio ter sido uma adaptação bem feita. Aguardo com esperança que talvez vá parar ao youtube, um dia.
Desconfio que nem sempre programo com eficácia as minhas leituras. Ultimamente tem sido recorrente ler livros que são semelhantes, seja nos temas abordados, quanto no estilo da escrita. Acabo por sentir que estou a perpetuar a mesma leitura em diferentes livros e escritores. Na realidade nem se trata de "programar", já que me limito a ler o que me apetece, sejam livros meus ou que requisito na biblioteca. Se em casa estou reduzida aos que compro, já na biblioteca requisito muitos, quase sempre no limite máximo legal, simplesmente porque vejo que lá estão vários que quero mesmo muito ler e claro, tenho de os ler todos com o máximo de brevidade.
Os Rostos foi lido no seguimento de Quem Sabe e ainda que a história seja claramente diferente soou-me com grande proximidade, a atmosfera em torno da saúde mental das narradoras, a linha ténue entre loucura e sanidade e a forma como o núcleo familiar se mistura nas suas existências. Confesso que gostei mais de Tove Ditlevsen. Não foi uma leitura espectacular, iniciei entusiasmada e interessada na história, senti um quebra de intensidade durante a estadia da personagem na ala psiquiátrica (ali pelo meio do livro) e começava já a aborrecer-me. Não esperava muito do desenrolar da história mas o final convenceu-me, adorei o toque misterioso com que Tove concluiu a história. Fechei o livro com aquele sorriso meio tonto do género "ah, caraças, apanhaste-me!". Pretendo ler outros livros da autora.